
Pessoas extraordinárias mereciam narrativas biográficas extraordinárias. Ao menos é assim que se costumava pensar na Antiguidade. Alexandre, por exemplo, ganha romances que, do final da idade antiga e por todo o medievo, tornam-se extremamente relidos e conhecidos, apesar de suas narrativas um pouco esdrúxulas. Conta-se também que Virgílio, grande poeta que narra frequentemente o mundo rural, teria nascido em meio a um bosque e próximo da natureza, de forma quase mágica. As narrativas não diferem quanto a César, considerado o primeiro imperador romano e cujo nome se declina com o próprio cargo: daí todos os imperadores se chamarem César em Roma, originando depois Kaiser em alemão e até czar na Rússia.
Contava-se, na Antiguidade, que um homem da família de César teria nascido de um parto diferente que era praticado apenas quando havia morte materna: a incisão do ventre. Pela dificuldade do procedimento, a sobrevivência da criança era considerada extraordinária e o neonato visto como alguém de próspero futuro. Esse familiar cesário, entretanto, não se referia ao imperador que conhecemos bem, mas ao primeiro homem de sua família que, durante as guerras contra Cartago, teria ajudado a proteger Roma.
Na verdade, os antigos sabiam bem que Júlio César não tinha nascido de um ventre talhado, exsecto ventre, como se dizia em latim. Isso porque sua mãe, Aurélia, teria tido vida longa e morrido apenas de morte natural. Entretanto, a etimologia mais comum para o nome de família do imperador, derivava a palavra caesar do verbo caedo, que significa cortar, em lembrança daquele guerreiro importante que foi mencionado acima.
Entretanto, ainda que os Antigos conhecessem a diferença entre um e outro personagem, o guerreiro e o imperador, as tentativas de lembrar o nascimento venturoso do imperador levaram a uma confusão. Durante a Idade Média, historiadores e pintores misturaram, por algumas vezes, os dois personagens e consolidaram versões de que César teria nascido de um parto cirúrgico. O bizantino João Malalas é normalmente citado como o responsável por essa confusão. Mas quando, no século XVI, o médico francês François Rousset descobre uma forma de realizar o parto por incisão e sem prejudicar a vida nem da criança nem da mulher, ele resolve nomear sua técnica de enfantemant césarienne ou o que conhecemos hoje como cesariana, em homenagem a conhecido imperador romano e à confusão medieval.
Para saber mais:
Histoire de la Césarienne em https://www.cesarine.org/avant/histoire/
Quando nasce il mito del parto cesareo em https://ricerca.repubblica.it/repubblica/archivio/repubblica/2012/01/13/quando-nasce-il-mito-del-parto-cesareo.html
“Non natto da donna” la nascita di Cesare e il “parto cesareo” nella cultura antica”, artigo de Maurizio Bettini publicado no jornal quaderni di studi romantistici, n 40, 2012, pp. 211-237.
Texto muito bom e interessante!
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