Maurizio Bettini – Dèi e uomini nella Città
(2014)
O livro de Maurizio Bettini, Deuses e Homens na Cidade, ou Déi e Uomini nella Città, publicado em 2014 pela consagrada Feltre da Itália consiste em ótimo exemplar de como a tradição italiana, dentro de debates filosóficos sobre a linguagem, a sociedade, a cultura e, principalmente a religião, tem dialogado e reinventado instrumentos importantes que nos foram legados pelos estruturalistas dos anos 1960. Com um método de antropologia religiosa baseado na linguagem, o intelectual, que já publicou diversas obras com temáticas literárias e que tem se mostrado relevante na discussão do que seria a literatura antiga (a exemplo do traduzido recentemente “O espaço literário na Roma Antiga”), expressa agora suas leituras sobre traços da religião romana. O leitor leu bem: traços. É essa a principal reviravolta com relação ao estruturalismo de Dumézil, Éliade e Benveniste – com os quais discute inúmeras vezes no livro. Em lugar de buscar, a partir das discussões de linguagem, estabelecer uma visão abstrata e completa da cultura Romana, Bettini trabalha selecionando temas importantes para o debate sobre o passado mas, permanecendo no específico, prioriza discussões com a tradição de pensamento classicista. Assim, já informado pelo feminismo, o livro debate temas como a presença ou não de uma cosmogonia na religião romana, o que era a o conceito de auctoritas e de que maneira ele surgiu na cultura romana, o lugar religioso do lar familiaris e o próprio conceito de deus menor no espectro religioso romano, o papel da morte na cultura e na organizzação da sociedade, bem como da máscara do morto e sua relação com o teatro, e até mesmo o clássico conceito de interpretatio, tão debatido pelos classicistas para explicar as incessantes apropriações que faziam os latinos de aspectos religiosos e de deuses de culturas como a grega, a egípcia, a síria, a cartaginesa etc. Embora o livro não apresente conclusão, fica a nós leitores, além de uma enorme carga de conhecimento e um posicionamento inteligente sobre algumas das principais discussões dos estudos de Religião Romana, uma interpretação das crenças romanas como práticas abertas e frequentemente dispostas às transformações e inclusões de culturas, além de instrumentos para continuar os ricos debates de linguagem sem a pretensão, por vezes exagerada, de reduzir a cultura romana e sua história de mais de um milênio a poucos conceitos que cremos largos o suficiente para a grande diversidade da experiência.