
Imagem de divulgação do Instagram @antigaeconexoes
O rap (ritmo e poesia), em linhas gerais, é a expressão musical do movimento Hip-Hop, uma cultura essencialmente negra e periférica desde sua origem, surgida nos guetos dos Estados Unidos e com influência jamaicana e africana. No Brasil, não foi diferente. Aqui, o rap ganhou notoriedade com o fenômeno dos Racionais Mc’s, verdadeiros cronistas da época que traziam em suas punchlines¹ o cotidiano da periferia, sobretudo a realidade do crime e da violência policial. Desde então, em meio a efervescência de nomes e produções surgidos na música rap, temos Beni KTT, rapper carioca, produtor e fundador da Produtora Audiovisual Máfia da Caneta.
A recepção da Antiguidade Clássica no rap, embora pouco estudada e comentada, não é nova, nem ínfima. É bastante significativo o número de raps que encontram na Antiguidade Clássica Grega ou Romana uma simbologia que reflete questões próprias do humano, sobretudo o repertório mitológico, que é muitas vezes fonte de inspiração para inúmeros rappers, como podemos observar em Pandora (Sant, Tiago Mac, Bukola 2Tey, 2019), no Minotauro de Borges (Baco Exu do Blues, 2019), em Afrodite da Quebrada (Rart MC, 2017), em Medusa (Nectar Gang; Qualy, 2017), em Hades (Xamã, 2017), em Afrodite (Nocivo Shomon, 2016) e, ainda, em Caixa de Pandora (Caos do Suburbio, 2016), apenas para citar alguns. Entre estes tantos exemplos, temos Prometeu,rap de Beni, publicado no álbum Negros (2016), que ganhou videoclipe tempos depois e trata de um dos mitos cosmogônicos greco-romamos mais conhecidos, o mito de Prometeu, registrado pela primeira vez em Hesíodo (Theog., 517-616; Op. et dies, 42-105). Em linhas gerais, o mito de Prometeu conta a história do Titã Prometeu, que entra em conflito com Zeus ao roubar dele o fogo e entregá-lo aos mortais. Por isso, Zeus (ou Júpiter) envia aos homens um mal, podemos dizer, travestido, com o qual eles se alegrarão, a primeira mulher, Pandora. Além de condená-lo a uma tortura eterna no Monte Cáucaso, onde ficou acorrentado tendo seu fígado (ou coração) sendo regenerado e comido todos os dias por uma águia. Em algumas versões, Prometeu é o próprio criador dos homens.
Imagem: Capa do álbum Negros (2016). Créditos: Beni.
Em entrevista generosamente concedida por Beni para essa pesquisa, o rapper afirmou que seu primeiro contato com o mito de Prometeu foi através do jogo eletrônico “God of War”, baseado nas mitologias grega e nórdica. O Prometeu de Beni nos apresenta um novo olhar para o célebre mito com questões que nos levam a perguntar por que Prometeu teria roubado e entregado o fogo aos mortais: por amor, ódio ou loucura? Em seu rap, Beni se apropria desse conhecido personagem mítico e apresenta Prometeu como um herói, um benfeitor. Um outro aspecto bastante relevante no rap de Beni é que o mito de Prometeu é tomado de forma primorosa pelo rapper em analogia à trajetória do povo negro no Brasil e no mundo. O fogo, como representação da inteligência e da sabedoria, que os retira das trevas e da ignorância, como afirmado por Sottomayor (2001), parece ganhar um novo sentido nas mãos de Beni, que faz desse símbolo uma tomada de consciência do povo negro, o que pressupõe que ela outrora não existia. Isto é, os mortais viviam nas trevas, pois não tinham consciência de sua condição miserável frente aos deuses, assim como os negros, até que Prometeu cometendo um ato humanitário entrega-lhes essa força divina, o fogo:
“O roubo do fogo sagrado foi certo na pontaria
Siga, siga, siga, siga
A luta é constante, então siga
Batalha de gigante, então siga
Não perca-se, avante!”
Beni constrói um Prometeu Negro brasileiro? Por quê? O que é recuperado pelo rapper brasileiro ou não do mito clássico em suas várias versões? Essas são algumas questões que pretendemos ainda responder com a pesquisa “A recepção crítica do mito de Prometeu no rap de Beni: reflexões sobre raça e identidade”.
Imagem: Divulgação.
Agradecimentos
Ao rapper Beni pela generosa concessão da entrevista, à Professora Renata Senna Garraffoni pelo convite em publicar neste blog, à Professora Priscila Matsunaga pelas contribuições e pela sua leitura crítica e à minha orientadora querida e sempre presente, Professora Katia Teonia.
Notas
¹ A expressão é utilizada no rap para se referir às “linhas de soco” usadas pelos rappers, ou seja, versos fortes, chamativos, apelativos, para chamar atenção na track.
Referências bibliográficas
SOTTOMAYOR. Ana Paula Q. O Fogo de Prometeu. Hvmanitas, Porto, vol. III, p. 133-140, 2001. p. 138.
PROMETEU. Compositor e intérprete: Beni. In: Negros. Produzido por Máfia da Caneta. [S.l], 2016. Disponível em: Beni – Prometeu Prod:Beni (Video Clipe Oficial) – YouTube. Acesso em: 22 março. 2021. Faixa 2. (3 min)
- Karoline Lima – Bacharelanda em Letras Português e Latim (UFRJ)
Orientação: Prof.ª Katia Teonia Costa de Azevedo