Cantando o Desastre: A Recuperação das Imagens sobre os Últimos Dias de Pompeia na Musicalidade Contemporânea

Imagem de divulgação do Instagram @antigaeconexoes

Por certo, a popularidade de Pompeia está reconhecida em seu destino trágico, em sua paradoxal destruição e conservação pelas obras do Vesúvio. Por isso, não é estranho ouvir narrativas musicalizadas sobre esses eventos pompeianos, os quais, dramatizados e metaforizados, passaram a ser parte das letras de músicas dos mais variados gêneros, tais como o pop, o folk e o MPB. A exemplo de cada um desses estilos, hoje trabalharemos brevemente com as produções de Bastille, de Spaccanapoli e de Madimboo, grupos cujas canções, transitantes entre esses distintos gêneros, abordam, sob diferentes perspectivas, os últimos dias da vida da cidade romana. 

Iniciando pelo hit da banda inglesa, com o sugestivo título “Pompeii”, parte do álbum “Bad Blood” (2013), são reveladores seus anseios de reavivamento dos “fantasmas” pompeianos. Incitando sua trama a partir de um diálogo entre duas das vítimas do vulcão, como indicado por Nĕmčíková (2021), os compositores ecoam, ainda, as noções de uma purgação dos “pecados” de seus conterrâneos: “Oh where do we begin? / The rubble or our sins? / And the walls kept tumbing down / In the city that we love / Grey clouds roll over the hills / Bringing darkness from above” (Em tradução livre: “Oh por onde começamos? / Pelos destroços ou por nossos pecados? / E as paredes seguiram caindo / Na cidade que amamos / Nuvens cinzas rolando pelas colinas / Trazendo a escuridão de cima”). Porém, é extremamente interessante notar como repassam a ação justiceira às mãos das próprias divindades romanas, formando, assim, uma curiosa apropriação da tradição providencialista que, em um caráter essencialmente religioso e cristão, fora principiada entre os românticos da literatura oitocentista. 

Vídeo da música Pompeii, de Bastille (2013)

Nessa mesma linha poética, que desvenda a ação vulcânica como caminho de purgação, encontramos a música “Vesuvio”, do álbum “Lost Souls” (2012) da banda napolitana Spaccanapoli. Um grupo musical dedicado à retomada do passado italiano e da tradição mediterrânica, em performances nos moldes da tarantella e frones, são suas produções essencialmente contextualizadas pelo movimento contracultural italiano. Afinal, conforme apreendido através do histórico delineado por Vacca (2012), é perceptível sua integração na tendência de uma reformulação da música folclórica e tradicional napolitana, reanimando, no entremeio dos processos de globalização, a força dos dialetos locais à musicalidade. Integrando, por esse modo, um cenário contestador, a canção se dirige ao poder destruidor erigido sob a égide do Vesúvio: “Você é o purgador de todo esse povo / que vive em favelas e que vive em necessidade, e ainda, aonde devemos ir? / Antes que o dia amanheça / o rio de lava nos arrastará e nos deixará sem casa / Você é uma montanha, mas que montanha!” (Em tradução livre do inglês1). Dessa forma, pode-se pensar em uma recontextualização do passado destruidor do vulcão, articulada de modo a tecer críticas pertinentes às questões sociais atuais da Itália. 

Vídeo com a gravação da música Vesuvio, de Spaccanapoli (2012)

Por fim, e em um sentido distinto, o grupo musical pernambucano Madimboo, em seu álbum “Flertar é Humano” (2019), recorre aos “Últimos Dias de Pompéia” para refletir sobre as relações amorosas, metaforizando seus percalços e desilusões. Em uma estética e em uma sonoridade de insinuante psicodelia, como observado por Pinheiro (2019), seus produtores retomam a aura onírica da cidade. Mais essencialmente, porém, nos parece haver um realce na retomada das ambiguidades do destino de Pompeia, um dos motivos principais das representações da cidade exterminada e, ao mesmo tempo, preservada, como visto por Paul e Hales (2011). De mesmo modo, chama a atenção o sentimentalismo incontrolável, talvez em uma outra continuidade do ideal romântico sobre o descontrole das ações vesuvianas: “Pode guardar teu latim / Guardei o teu lugar […] Cai o céu entre os meus braços / E o que o sentimento / Não controla / Coração dentro do ventre / O mesmo engano / Me apavora”. 

Videoclipe da música Os Últimos Dias de Pompéia, de Madimboo (2019)

Traçando algumas últimas considerações, gostaríamos de realçar como a manifestação musicalizada sobre as narrativas voltadas ao fim de Pompeia, expressas nos mais diversos gêneros musicais, mantém viva, em seu conjunto, uma noção de providencialismo, de vivacidade do poder da natureza, de animosidade do furor punitivo do Vesúvio. Assim, veiculam os “mitos pompeianos” (ST. CLAIR; BAUTZ, 2012), originários em sua fama pelo romantismo vitoriano de Lytton, pelas tragédias das ficcionais vidas de Nídia, Ione e Glauco.

Notas

1 Letras consultadas em: https://www.allthelyrics.com/forum/showthread.php?t=104769.

Referências

MURARO, Cauê. Baterista do Bastille defende hits e diz que banda tenta ‘ir além do óbvio’. Disponível em: <http://g1.globo.com/musica/lollapalooza/2015/noticia/2015/03/baterista-do-bastille-defende-hits-e-diz-que-banda-tenta-ir-alem-do-obvio.html>. Acesso em: 13 nov. 2021.  

NĔMČÍKOVÁ, Hana. Intertextuality and Popular Music: Bastille. 2021. Tese (Bacharelado) – Faculdade de Humanidade, Tomas Bata University in Zlín, 2021. 

PAUL, Joanna; HALES, Shelley. Introduction: Ruins and reconstructions. In: _____ (Ed.). Pompeii in the Public Imagination from its Rediscovery to Today. New York: Oxford University Press, 2011. p. 1-14.

PINHEIRO, P. H. Em dançante disco de estreia, trio pernambucano Madimboo prova que “Flertar é Humano”. 2019. Disponível em: <https://www.tenhomaisdiscosqueamigos.com/2019/10/28/madimboo-flertar-humano/&gt;. Acesso em: 13 nov. 2021.

REAL World. Spaccanapoli – Real World Records. Disponível em: <https://realworldrecords.com/artists/spaccanapoli/>. Acesso em 13 nov. 2021. 

RECIO, Mirella Romero. Pompeya: Vida, muerte y resurrección de la ciudad sepultada por el Vesubio. Madrid: La Esfera de los Libros, 2010. 

ST CLAIR, William; BAUTZ, Annika. Imperial decadence: the making of the myths in Edward Bulwer-Lytton’s The Last Days of Pompeii. Victorian Literature and Culture, n. 40, p. 359-396, 2012. 

VACCA, Giovanni. Music and Countercultures in Italy: the Neapolitan Scene. Volume!, v. 9, n. 1, 2012. ]

  • Heloisa Motelewski

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