Dando continuidade ao tema de reconfiguração de Pompeia no mundo musical, hoje nosso texto se dispõe a analisar a psicodelia, sutilmente aplicada aos níveis da visualidade a partir de cortes e recortes, de uma mescla desordenada de elementos óticos, já vistos na obra de Madimboo (para saber mais, clique aqui), em outras composições. Aqui, tomaremos como centro de nossos olhares – ou, melhor, de nossa escuta – a produção de Pink Floyd realizada nas ruínas de Pompeia (1972), que servirá como ponto de reflexão sobre a repercussão de uma “psicodelia sonora” nos e sobre os ambientes pompeianos.
Pink Floyd foi uma banda inglesa, formada em Londres no ano de 1965. Conhecido como um grupo musical de rock psicodélico e também de rock progressivo, destacou-se principalmente pela composição de músicas longas, pela experimentação sonora e por letras críticas e filosóficas. Seu primeiro álbum, “The Piper at the Gates of Dawn”, foi lançado em 1967 e chegou a ser o sexto álbum mais vendido do Reino Unido. Desde esse primeiro momento, o grupo musical já explorava letras e passagens instrumentais psicodélicas, fazendo uso da guitarra elétrica e cantando acerca de temas fantasiosos e imaginários como gnomos e contos de fadas. Com a saída do vocalista e guitarrista Syd Barret do grupo em 1968, Roger Waters tornou-se o letrista principal e liderou a produção de álbuns de grande sucesso como “The Dark Side of the Moon” (1973); “Wish You Were Here” (1975); e “The Wall” (1979); todos os três posteriores ao concerto realizado nas ruínas de Pompeia.
“Pink Floyd: Live at Pompeii” foi um concerto realizado em 1971 e lançado em 1972. Foi dirigido por Adrian Maben, que também teve a ideia de produzir a apresentação da banda em um anfiteatro romano presente em Pompéia. A gravação durou quatro dias e os músicos realizaram um espetáculo ao vivo comum ao que se era feito no período, com exceção de que não havia público no local além da equipe de filmagem. Dentre as músicas que são apresentadas no lançamento do concerto estão: “Echoes”; “Careful With That Axe Eugene”; “A Saucerful Of Secrets; “One Of These Days I’m Going To Cut You Into Little Pieces”; “Set The Controls For The Heart Of The Sun”; “Mademoiselle Nobs”.
Enfatizando as tragédias dos últimos dias de vida da cidade romana, o grupo musical parece, pois, retomar os paradoxos desse destino. O qual, conforme já visto na publicação anterior de Paul e Hales (2011), constitui-se como fator elementar da agitação romântica setecentista e, por consequência, um motivo essencial na retomada da narrativa pompeiana desde então. Ao Pink Floyd integrar o respectivo passado romano em sua produção, a banda acabou por refletir também sobre a continuidade de Pompeia, essa proveniente de uma súbita desaparição – causada pela erupção do Vesúvio. Por consequência, a produção musical se fez capaz de repensar a vivência moderna entre as ruínas romanas, possibilitando refletir sobre uma experiência que se inclui, ao mesmo tempo, em resquícios de uma temporalidade passada e em aspectos de uma vivência de atualidade.
Nessa mesma linha, nos é interessante perceber que por parte do grupo, existe a recolocação das imagens de Pompeia sob representações oníricas, entre os embates da realidade e da ficção, da vida e da morte, do passado e do presente, ecoando uma fruição imaginativa romântica, tal qual constatado por Recio (2010). Aproximam-se desse caminho o sonho e a morte, trespassados pelos reflexos psicanalíticos deflagrados pelas ambivalências comuns à mente humana e à ressurreição de suas ruínas. Como exemplo, no concerto de Pink Floyd, podemos citar a contraposição da convivência entre o passado, simbolizado nas ruínas, e o presente, expresso visualmente sob a colocação de equipamentos técnicos e de performance em seu anfiteatro. Além disso, a inserção de imagens da cultura material da cidade (como entre os minutos 19:45-20:10) parece, de igual forma, evocar um sentimentalismo sobre o contraditório fim dos espaços pompeianos.
Por meio de tais conexões, podemos, pois, argumentar que tais elementos, figurados sob representações literárias e psíquicas e perpetuados sobre as dualidades inerentes ao passado e ao presente pompeiano, tornam a ser evocados pelo grupo musical britânico, mas sob uma espécie de “transcrição” desenrolada por uma percepção sonora única. Afinal, sob uma insinuante criatividade atrelada ao mundo dos sonhos, do subconsciente e do inconsciente, cria-se nessas canções performadas no limiar dos vestígios de Pompeia, uma sonoridade que aparenta almejar um novo contato com os “fantasmas” da cidade. Desse modo, é perceptível como acabam por lançar uma percepção musical singular e inovadora no tocante a esse evento da Antiguidade romana, embasada em sons que, perturbando os sentidos, remetem ao mundo dos sonhos através de um ritmo de iminente psicodelia. Como um exemplo desse caráter inaugural, podemos apreender a repercussão dessa musicalidade desde uma sincronia sonora encontrada no álbum “Pompeii” de Triumvirat (1977), cujos ritmos nos recordam, abertamente, uma mesma evocação psicodélica e onírica do passado pompeiano.
Referências:
PAUL, J.; HALES, S. Introduction: Ruins and reconstructions. In: _____ (Ed.). Pompeii in the Public Imagination from its Rediscovery to Today. New York: Oxford University Press, 2011. p. 1-14.
RECIO, M. R. Pompeya: Vida, muerte y resurrección de la ciudad sepultada por el Vesubio. Madrid: La Esfera de los Libros, 2010.
Link dos vídeos:
Vídeo: “Pink Floyd Live at Pompeii Full”:
Vídeo “Echoes”, Pink Floyd: https://www.youtube.com/watch?v=PGwPSPIhohk
New Triunvirat, Pompeii: https://www.youtube.com/watch?v=ao7YZDmED6k
- Barbara Fonseca
- Heloísa Motelewski