Entrevista e Convite para Live: Lorena Lopes da Costa

Olá gente! Esperamos que todos estejam bem!

Começamos 2021 com uma novidade! Ao longo desse ano iremos realizar lives em nosso canal do Youtube com estudiosos e estudiosas da Antiguidade. A primeira delas será dia 27 de abril, às 19 horas, com a Profa. Dra. Lorena Lopes da Costa, título “Os Antigos, a violência e a literatura de João Guimarães Rosa”.

Todo mundo está convidado! Para participar basta se inscrever no seguinte link: Formulário de Inscrição.

Cartaz de divulgação no Instagram.

Junto do evento, também retomamos as entrevistas do Blog!

Para conhecermos um pouquinho mais sobre a autora, segue abaixo a ótima entrevista de Lorena Lopes da Costa, professora da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Li O Espelho de Heródoto de François Hartog e a Invenção de Atenas da Nicole Loraux fazendo uma das disciplinas optativas da graduação do Prof. Dabdab Trabulsi, em que líamos também muitas fontes antigas. Decidi estudar Grécia Antiga e a língua grega em consequência desse contato, de leitura e da sala de aula. O Dabdab, que se tornou meu orientador no Doutorado, e o Hartog, durante um período de estudos na França, são peças-chave na minha decisão, presentes desde os primeiros passos

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

A Odisseia é, certamente, um dos meus livros favoritos. O poema faz uma reflexão profunda sobre narrar o passado, por meio de várias possibilidades: o aedo que invoca a Musa para narrar todo o poema;  Demódoco que a invoca também para contar o que Odisseu poderá confirmar; Fêmio, que conta o que não é verdadeiro; Odisseu, que conta as suas próprias memórias; as sereias, que sabem não só o que se passou mas o que se passará… É muito impressionante ver uma reflexão tão profunda sobre essas possibilidades narrativas ser feita sem prejuízo de um estória que nos enreda, com personagens inteligentes e marcantes, com passagens tão instigantes, versos e fórmulas tão bonitos. E é ainda mais impressionante pensar que tudo isso, que agora vemos registrado, precisou se transmitir oralmente por alguns séculos (mesmo que o espanto diante disso possa ser nuançado pela oralidade de uma sociedade que se contrapõe, nesse sentido, à nossa…).

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Atualmente, tenho desenvolvido, numa pesquisa pós-doutoral na Unifesp, a recepção da poesia épica (Homero e Hesíodo) na literatura rosiana. A partir das anotações de João Guimarães Rosa, tenho rastreado o emprego de alguns traços dos personagens gregos no sertão. É uma espécie de laboratório para pensar a recepção dos clássicos, já que são muitos os usos que se faz (e sempre se fez) da herança grega.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Ainda no campo da recepção, tenho me interessado muito pelas releituras feministas da Odisseia. Minha ideia é começar a me dedicar a elas em breve. Livros como The Penelopiad, da Margaret Atwood, The Song of Achilles e Circe, da Madeline Miller e The Silence of the Girls da Pat Barker têm chamado minha atenção. Sem falar na tradução da Odisseia de Emily Wilson, que opta por a complicated man no lugar do astuto varão

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Muitos lugares marcam minha relação com o mundo greco-romano antigo. A Assembleia do Canto II da Ilíada, quando Tersites apanha de Odisseu, é um deles. De forma análoga, o julgamento de Zé Bebelo no Grande Sertão: Veredas, que guarda muitas afinidades com a assembleia iliádica, é outro. Mas se fosse o caso de mencionar lugares físicos, eu só poderia não me deter na Acrópole, em Delfos, no Ceramico – que são muito emocionantes – se fosse para relembrar a experiência de escavar em Creta, na terceira edição do Touching the Past (coordenados pelas Profas. Maria Cecília Coelho e Erica Angliker, as duas já entrevistadas por vocês). Participei das escavações de Eleutherna, sob direção do Prof. Stampolidis, no verão grego de 2019: mexer na terra para descobrir os cacos, limpá-los com a água para ver renascer seus traços e, como detetive do tempo, aproximá-los dos usos que tinham há milênios muda a forma como concebemos não somente a história, enquanto experiência, mas a experiência de pensarmos a força do tempo a despeito de nós.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por quê? 

Como é difícil escolher! Há tantos personagens fascinantes… O homem complicado, o de muitas-vias é um deles. Odisseu é um personagem que me intriga muito. Até Atena era fascinada por ele; como eu não seria?! Odiável às vezes, hábil contador de histórias, enganador, mas tão inteligente, persuasivo. 

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Há muitas fontes que eu queria ouvir “mais de perto”… Para seguirmos com o ciclo épico, eu queria conhecer as mulheres que, ali, quase não falam. Ouvir delas as histórias. Deixar Penélope, Helena, Andrômaca, Cassandra narrarem a guerra, os anos pós-guerra, o que pensavam e como viam os homens que faziam a guerra. Ou, mesmo, ficar numa mesa ao lado de algumas delas, como se eu pudesse nem ser notada, só para escutar as impressões, as risadas, os comentários que fariam entre si, observar sua postura, seu olhar, seu jeito. Na verdade, eu queria ouvir as mulheres ilustres, mas talvez ficasse ainda mais feliz de ouvir o que falavam as servas de Penélope, ou mesmo um grupo de amigas gregas, anônimas, desconhecidas.

Entrevista com Fábio de Souza Lessa

Oi gente! A entrevista de hoje é com Fábio de Souza Lessa, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Fábio de Souza Lessa. Imagem: acervo pessoal

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

A decisão por estudar o mundo antigo, em especial o mundo grego, surgiu durante o curso de graduação na UFRJ. Desde adolescente já havia escolhido o curso de História, mas tinha interesse em História Moderna. As aulas de História Antiga I ministradas pela Profa. Neyde Theml foram sedutoras e decisivas para a escolha, ainda precoce, para a especialização em História Grega.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

É sempre difícil enumerar livros prediletos, mas vamos lá: Dos textos antigos, destaco a Odisseia de Homero, Alceste de Eurípides e Ética a Nicômaco de Aristóteles, super atual para o mundo contemporâneo. Já dos contemporâneos, Os Mestres da Verdade na Grécia Arcaica de M. Detienne e Entre Mito & Política de J-P. Vernant. Acrescento ainda a leitura do momento: História Pessoal: Os Mitos Gregosde Pauline Schimit Pantel, tradução recente da Universidade de Coimbra.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Tenho mantido, basicamente, duas linhas de investigação. Uma, mais antiga na minha trajetória acadêmica, diz respeito às reflexões sobre as relações de gênero na Grécia antiga. Tal pesquisa sempre caminhou no sentido de desconstruir o modelo mélissa (abelha), calcado na ideia de reclusão e de total submissão feminina. Desde os anos 90, com a consolidação dos trabalhos em História cultural, a operacionalização da documentação material, em especial as imagens pintadas em suporte cerâmico, foi fundamental para a argumentação de minhas hipóteses. Hoje, tenho dado maior atenção às tragédias de Eurípides e buscado associar a discussão teórica sobre gênero à discussão sobre etnicidades.
A segunda linha de investigação foi desenhada a partir da primeira. Comecei a sentir necessidade de refletir sobre o masculino e também sobre a antropologia do corpo, em um momento no qual se falava muito em crise da masculinidade, sobretudo entre os antropólogos. Observei ainda que as competições atléticas helênicas careciam de um estudo mais apurado no Brasil. Dessas constatações surgiu um novo objeto de pesquisa que é estudar as competições esportivas na Grécia antiga.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Pretendo verticalizar as minhas pesquisas sobre a antropologia do corpo e os atletas do Fat Boy Group, do conjunto de imagens reunidas por John D. Beazley que se distanciam do modelo apolíneo de representação dos corpos dos atletas.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Com certeza a chegada em Atenas num sábado de julho de 1995. Era a primeira viagem internacional que fazia e havia uma comoção por estar na capital grega, porém algo inesperado também foi marcante: desembarquei numa tarde linda de sol forte de verão e enquanto resolvia as questões que envolviam bagagem e passaporte se formou um enorme temporal – o único dia de chuva em 45 dias em Atenas – com trovoadas e céu negro. A chegada à Escola Francesa de Atenas – onde fiquei hospedado e pesquisando – foi marcada por um épico banho de chuva.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por quê? 

Do mundo ficcional, Odisseu, pelas suas inúmeras nuances e astúcias. Do dito mundo real, Heródoto e Tucídides, pela forma como refletem sobre a História.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Atualmente, Eurípides. Seria uma grande oportunidade para conversarmos sobre as relações entre o masculino e o feminino na Atenas Clássica, bem como também sobre as questões de etnicidade grega.

Fábio Duarte Joly

O entrevistado dessa semana é Fábio Duarte Joly, professor de História Antiga na Universidade Federal de Ouro Preto.

Fábio Duarte Joly. Foto Acervo pessoal.

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Lembro que meu interesse pelo mundo antigo surgiu durante o ensino médio, com as aulas de História, e também pelo fato de meu pai, como professor de Filosofia, ter em casa livros de Platão e Aristóteles, que comecei a ler então. Depois, aos poucos fui adquirindo livros de História Antiga e de autores gregos e romanos, aprofundando assim meu interesse. Quando entrei na Universidade de São Paulo em 1994, para cursar História, já estava decidido a trilhar o estudo da História Antiga. A Iniciação Científica, sob orientação do professor Norberto Guarinello, foi uma etapa fundamental para o início da construção de um trajeto de pesquisa.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

São muitos, mas, dos antigos, Platão, Aristóteles, Tácito, Sêneca, Petrônio e Suetônio (esses quatro últimos com os quais trabalhei mais diretamente no mestrado e doutorado). Dos modernos, gosto das obras de M. Rostovtzeff, M. Finley, N. Guarinello e R. Syme, relevantes não só pela visão abrangente que têm da Antiguidade, mas ainda pelas relações que fazem com questões do mundo contemporâneo.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa?

Estudo atualmente as relações entre liberdade, escravidão e cidadania de Augusto a Nero, uma pesquisa que é uma ampliação de meus estudos de doutorado.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Gostaria de estudar os diversos processos de escravização e escravidão no Mediterrâneo antigo de uma forma mais ampliada e comparada.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Uma viagem à Inglaterra em 2003, para a pesquisa de doutorado, foi muito importante para essa relação, com a visita a museus e sítios arqueológicos. Uma visita a Roma em 2004, com idas a Pompeia e Óstia, também foi marcante.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por quê?

Trimalcião, o rico liberto descrito no Satyricon, de Petrônio, por justamente embaralhar as fronteiras que estabelecemos entre ficção e realidade.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam?

Talvez Tácito, para saber o que escrevera nas partes de suas obras históricas que não chegaram até nós.

Entrevista com Anderson Zalewski Vargas

Oi gente! Esperamos que todos estejam bem!
O entrevistado de hoje é Anderson Zalewski Vargas, professor do Departamento e Programa de Pós-graduação em História da UFRGS.

Anderson Zalewski Vargas. Foto: acervo pessoal.

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

De acordo com o folclore familiar, meu interesse pela Antiguidade é anterior ao meu letramento… da fase letrada, ainda tenho comigo os livros “Os últimos dias de Pompeia”, “Invasões Bárbaras”, de uma antiga coleção infanto-juvenil da Record.

Na universidade (UFRGS), meu interesse por Antiguidade data dos primeiros semestres, graças à professora Loiva Otero Félix, que montou um grupo de trabalho, incluindo monitoria e organização de eventos, o Simpósio de História Antiga, que durou até o início dos anos 2000. Apesar disso, meu mestrado foi sobre História de Porto Alegre. Logo fui chamado no concurso em que fui aprovado em 1988 e assumi as disciplinas de Antiga, dividindo o Setor com a colega Margaret Bakos. A partir daí, planejei o doutorado em Historiografia Antiga, na USP, sob orientação do prof. Francisco Murari Pires, concluído em 2001.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

“A História da Guerra dos Peloponésios e Atenienses”, de Tucídides. É um daqueles livros a serem relidos pela vida inteira, sempre apresentando possíveis novidades à medida que o tempo e as leituras passam. Heródoto, claro, em menor grau. As “Vidas Paralelas”, de Plutarco; Tito Lívio. Górgias, “Elogio de Helena” (que não canso de ler e usar em salas da graduação e pós) e o “Tratado do não-ente”. e o “Como se escreve a História”, de Luciano. Das tragédias, aprecio muito “Medeia” e “As bacantes” e particularmente a Oresteia. “Epopeia de Gilgamesh” é outra obra antiga que me fascina (assim como considerável parte da humanidade capaz de conhecê-lo).

No campo da historiografia, qualquer livro do Paul Veyne, que sempre me fascinou desde o início do mestrado, pela peculiar análise inteligente, por conciliar teoria com historiografia da Antiguidade, pelo seu espírito iconoclasta… quem mais poderia intitular um texto assim: “Conheceram os gregos a Democracia?”. Especificamente, destaco “Acreditavam os gregos em seus mitos?”, “Pão e circo” e a seção que ele escreveu na “História da Vida Privada”; e, apesar de ser um livro de teoria, não posso deixar de mencionar o “Como se escreve a História”, uma contraposição à lógica de Luciano . De Marcel Detienne, sempre apreciei “A invenção da mitologia”, por razões semelhantes às que me levaram a apreciar Paul Veyne.

Na linha dos escritos sobre os sofistas, aprecio muito o “Efeito sofístico”, de Barbara Cassin.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Retórica e História da Recepção da Antiguidade.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Os citados acima pelo que permitem de reflexão teórica e mesmo aplicação metodológica capazes de interagir com a historiografia de forma geral, já que também me interesso por teoria. Pesquisando a produção jornalística e intelectual brasileira do século XIX me defronto com uma época em que a Antiguidade era a diferentemente significativa: era usada para pensar o tempo presente e para articular o futuro de uma forma fascinante, para além do eventual lustro intelectual hoje dominante.  

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

A Turquia… contemplar o antigo Mar de Mármara e as esplêndidas ruínas das cidades antigas, incluindo o sítio de Troia, foi uma experiência extrema. A própria Istambul com seu mix de ruínas greco-latinas e islâmicas e aquele estreito a dividir as duas partes da metrópole. Mas creio que os Balcãs me reservam ainda boas experiências, pelo que pude conhecer da Bulgária recentemente. Aquela região muito me interessa.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Górgias..especialmente pelo “Elogio de Helena”..se ele realmente esteve na ágora ateniense a defender aquela personagem vilipendiada na forma daquele pequeno grande texto..seria um dos pontos altos da história antiga.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Tucídides, certamente… conversaríamos sobre aquela visão tão admiravelmente soturna do humano que ele foi capaz de escrever.

Entrevista com Erica Angliker

A entrevistada de hoje é Erica Angliker, professora do Institute of Classical Studies na School of Advanced Study (University of London).

Erica Angliker. Foto: acervo pessoal.

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Eu decidi pelo estudo da antiguidade só nos últimos anos do meu bacharelado em filosofia na Unicamp. Durante o curso de filosofia comecei a estudar grego e latim por serem disciplinas obrigatórias, mas com o desenrolar do curso fui me interessando cada vez mais pelo mundo antigo, principalmente pela Grécia Antiga. Além dos cursos de língua, também fiz vários cursos de história antiga na Unicamp. Quando terminei o curso de filosofia mudei para área de literatura grega e fiz meu mestrado também na Unicamp com um trabalho sobre o livro II das Histórias de Heródoto, o qual traduzi integralmente. Embora meu mestrado tenha sido em literatura grega, acho que já naquela época eu tinha um pé na arqueologia, pois minhas principais questões diziam respeito a essa área. Hoje, além do trabalho teórico na área de arqueologia grega, também escavo regularmente em Despotiko (região de Paros) e também em Eleutherna (Creta).

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Meus livros prediletos são Descrição da Grécia, do geógrafo grego Pausanias, onde temos descrições descrições de localidades da Grécia Central e do Peloponeso com informações muito importantes sobre religião e costumes gregos antigos. Até onde eu sei, não existe tradução para o português dessa obra, espero que um dia alguém aí no Brasil se aventure a traduzir esta obra magnífica e tão importante. Outro livro que gosto muito é o The Making of the Middle Sea, do Cyprian Broodbank. É um livro de grande fôlego no qual o autor apresenta sistematicamente a história e arqueologia Mediterrânica. Num momento em que divisões artificiais são impostas na região mediterrânica, é sempre bom lembrar da unidade que sempre existiu nessa área cuja riqueza se deve exatamente pela grande possibilidade de trânsito de diversos povos.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

No momento, estou trabalhando com santuários Cicládicos e religiões mediterrânicas, mas também tenho uma pesquisa sobre espaços para dança e música nos santuários gregos. Além disso, também estou preparando para publicação as estatuetas de argila do santuário de Despotiko. Por fim, também desenvolvo uma pesquisa sobre cultos em cavernas na região da Cicládica.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Adoraria poder pesquisar mais sobre cultos anicônicos e cultos em lugares naturais (rios, lagos, montanhas, etc.).

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

O santuário de Despotiko, na região de Paros, marcou minha carreira e vida para sempre. Eu estudava história da arte grega e literatura quando fui escavar em Despotiko, só para ter uma escavação no meu currículo. Gostei tanto que não só voltei todos os anos como também migrei definitivamente para a área de arqueologia. Despotiko é mais do que o lugar onde escavo e estudo, lá também tenho minha segunda família. Hoje, graças a uma parceria com universidades brasileiras (e.x. UFMG e UFPR), estou levando alunos brasileiros a Despotiko com regularidade para que eles possam passar pela experiência ímpar de descobrir o passado com as próprias mãos.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Hipatia de Alexandria, uma filósofa neoplatonica grega do Egito Romano. Embora o trabalho dela não tenha sobrevivido, foi uma mulher extraordinária pela inteligência

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Chamaria um sacerdote ou sacerdotisa minoico para conversarmos sobre iconografia religiosa, o conteúdo dos tabletes com o Linear A e sobre a vida religiosa em geral na Creta Minoica. Apesar de tantos estudos e rios de tinta, muitas questões pairam sobre essa civilização.

Entrevista com Luciane Munhoz de Omena

A entrevistada de hoje é Luciane Munhoz de Omena, professora da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Luciane Munhoz de Omena. Foto: acervo pessoal.

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Quando cursava o Ensino Fundamental, estudei em um colégio Adventista. Como todos sabemos, é um ensino religioso, logo, o professor de religião produzia uma apologia ao cristianismo e nos ensinava que a sociedade romana se fundamentava em pecado, destruição e pornografia. Eu sempre me senti incomodada com este discurso; por isso, passei a ler a bíblia e frequentar a biblioteca, buscando temas sobre o império romano. Passados alguns anos, decidi cursar a Faculdade de História. Estando na Universidade Federal de Ouro Preto\UFOP, conheci o professor Dr. Fábio Faversani. Com ele, desenvolvi um estudo acerca das estratégias de afirmação social das mulheres romanas em Metamorfoses, de Lúcio Apuleio. É importante ressaltar que iniciei esta pesquisa no segundo semestre do curso, 1995. Quando finalizei a Faculdade de História, 1998, ingressei no Mestrado na Faculdade de História-Unicamp, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Paulo A. Funari. O projeto visava à compreensão das práticas de poder em Sêneca, De Clementia. Ao finalizar a dissertação em 2003, iniciei meu doutoramento na Faculdade de História na Universidade de São Paulo, sob a orientação do prof. Dr. Norberto Luís Guarinello. Na tese, propus analisar as relações sociais entre o Princeps e a plebs na cidade de Roma com base nas obras de Sêneca. Em 2015, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Paulo A. Funari, realizei meu pós-doutoramento estudando memória e luto na sociedade imperial a partir dos vestígios materiais (Mausoléu de Augusto) e textuais (e.g. consolatórias de Sêneca). Ademais, ao longo dos meus 11 anos de docente na UFG, tenho orientado pesquisas acerca das tragédias gregas e latinas, Tito Lívio, Horácio, Sêneca, Quinto Cúrcio, Suetônio, Sêneca, Tácito, Apuleio, entre outros autores.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Aprecio muitos autores, mas para citar de forma rápida, vou elencar alguns: O trabalho e os dias de Hesíodo, Apocolocyntoses e De Beneficiis de Sêneca, Uita de Flávio Josefo, Os Doze Césares de Suetônio, Troianas de Eurípides, Medéia de Sêneca, obras de Machada de Assis, como, por exemplo, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Clarice Lispector, Baudelaire, Ítalo Calvino, entre outros

Quais são os seus temas atuais de pesquisa?

Meu atual projeto intitula-se – Morte e Memória no Império Romano à época do Principado (27 a.C. – 192 d.C). Nele, recentes estudos têm apontado um contínuo crescimento de análises sobre a maneira como as pessoas morrem, tratamento dos corpos, tipos de sepulturas, local de deposição no sítio, artefatos, construções identitárias em sarcófagos e relevos, além da paisagem funerária. Ao levar em consideração a relevância das representações mortuárias no Mediterrâneo Ocidental, analiso, em termos históricos, a experiência social da morte, à medida que engloba a forma como os mortos na sociedade romana imperial passam a ser lembrados ou, dependendo das circunstâncias, condenados ao apagamento. Em função da temática, o arcabouço documental contempla vestígios materiais, tal como o Mausoléu de Augusto, as narrativas textuais, como, por exemplo, Sêneca e Apuleio, assim como também abarco ainda a epigrafia sepulcral de Mediolanum e a necrópole de Isola Sacra, ao norte de Ostia, fundada à época da construção dos portos de Cláudio (41-54 d.C.) e Trajano (77-117 d.C.).

Posto isto, interessa-me ressaltar, que analiso as imagens mortuárias nos túmulos, nas procissões funerárias e no luto prolongado inserindo-os em um cenário político e social, pois, como suponho, tais celebrações, mesmo em nome dos mortos, transformavam-se em veículos de comunicação e instrumentos de poder. Normalmente, abordo ainda as seguintes questões:

1. A compreensão do ritual funerário, entendido como um conjunto de atos repetidos que se inserem em uma dimensão simbólica, bem como o seu desenrolar no espaço da cidade, para compreender, dessa forma, os símbolos e as insígnias da cerimônia. Neste sentido, estudo os rituais fúnebres como expressões festivas, pois, tal como proponho, as festas produzem identidades entre os participantes, o compartilhamento do símbolo comemorado, se inscrevem em uma memória social e apresentam também motivações diversas que se traduzem em conflitos e hierarquias sociais.

2. Analiso ainda as imagens da morte que se associam à atuação do feminino na corte e nas províncias imperiais (Ostia e Mediolanum), tanto no espaço doméstico quanto no público. Tais imagens trazem à tona um passado “ressignificado” e “reinventado”, o qual legitima a auctoritas do imperator. Sêneca (AdMarciam de Consolatione I. 7) construiu a reputação da domus de Augusto indicando, em especial a valorização de Lívia ao associá-la à imagem masculina de uiri com a uirtus; com isso, incorporou coragem e glória eterna no cortejo fúnebre de seu filho (Sêneca. AdMarciam de Consolatione IV, 3). Assim, produzo reflexões sobre a função feminina no luto prolongado e sua associação com a prática da uirtus, os rituais femininos de purificação essenciais à familia funesta e o papel masculino no cortejo fúnebre, sobretudo, o discurso no rostrum. Logo, contemplo análises sobre o papel da família de seus membros na produção de memória social do morto.

3. Além disso, busco compreender as dimensões mais particulares e emocionais da lembrança do falecido; com isso, produzo reflexões sobre a presença de afetividade nas relações familiares que, intensificadas pela perda, provocavam, em alguns casos, a extensão do luto prolongado, gerando, dessa forma, a morte social dos enlutados e do próprio falecido.

4. Para finalizar, a pesquisa abarca igualmente o espaço funerário na necrópole de Ostia (e igualmente o Campo de Marte e Via Appia) e, dessa forma, incorporo questões sobre a construção dos túmulos e sua sinalização na paisagem como um dispositivo de poder, já que a aristocracia competia por espaços de memória na cidade dos mortos. Neste contexto, levo em consideração o estilo, ocupantes, dimensões, materiais, forma, decoração, tipo de escrita, periodização, localização, tema e dedicante; para, com isso, desenvolver pesquisas acerca das relações familiares, relações de gênero, festividades dos mortos, infância, magistraturas, ofícios e as dimensões mais particulares e emocionais no modo como se lembravam dos mortos na sociedade romana.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Desejo continuar com os estudos acerca da arqueologia da morte.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Como respondi na primeira questão, o Colégio Adventista levou-me a querer estudar as sociedades mediterrânicas.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por quê? 

A minha personagem favorita é a Medeia, porque, a partir dela, vê-se a atuação feminina em um universo falocêntrico.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria para um café? Sobre o que conversariam?

Conversaria com Sêneca e discutiria assuntos sobre as relações de poder e morte na sociedade romana.  

Entrevista com Semíramis Corsi Silva

A entrevistada de hoje é Semíramis Corsi Silva, graduada, mestre e doutora em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Franca). Atualmente é professora de História Antiga da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Semíramis Corsi Silva. Foto: acervo pessoal.

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Decidi que pesquisaria sobre o mundo antigo já no primeiro ano da graduação de História. Eu estava na busca por um objeto para pesquisar, minha vontade era estudar sobre magia e feitiçaria, o que sempre despertou minha curiosidade. Em 2000, durante um minicurso, estudei sobre a magia praticada pelos antigos romanos e romanas e fiquei encantada com a temática.

Quais são os seus livros favoritos? (Antigos ou contemporâneos sobre os antigos).

São muitos. Mas para resumir, gosto bastante dos Epigramas de Marcial, das Sátiras de Horácio, do Satyricon de Petrônio, etc. É incrível como mesmo tendo sido escritos há quase dois mil anos atrás eles ainda nos fazem rir. É preciso, porém, perceber o tom moralista destas obras, ver como o humor pode ser uma poderosa arma política à favor das elites, no caso deles, mas podendo também se reverter à favor dos oprimidos. Das obras contemporâneas gosto muito dos livros de Paul Veyne, meu historiador preferido. Trata-se de um historiador polêmico, mas citaria, entre várias obras dele, o livro Como nosso mundo se tornou cristão. Gosto de seus argumentos.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Atualmente pesquiso sobre um imperador romano conhecido como Heliogábalo, que governou Roma entre 218 e 222. Por ter origens siríacas e ser sacerdote de Elagabal, um deus solar sírio cujos sacerdotes realizavam intervenções no corpo, segundo minhas pesquisas têm apontado, este imperador foi considerado “transgênero” na documentação antiga, ou seja, considerado feminino e desejando, inclusive, cortar suas genitálias masculinas e ter uma vagina (conforme conta Dião Cássio, seu detrator). Por conta disso, atualmente tenho me debruçado sobre estudos de gênero e corpo na Antiguidade.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Por conta da proximidade da cultura siríaca de Heliogábalo com as culturas apresentadas no Antigo Testamento, tenho desejado me aventurar a estudar o variado universo cultural do Crescente Fértil, mais especificamente em torno das culturas do eixo sírio-palestino antigo. Mas também desejo muito trabalhar com algumas recepções contemporâneas de Heliogábalo, o que tenho já começado a fazer com o Teatro, em especial com a obra de Antonin Artaud (1896-1948), um escritor e ator francês. Como fiz teatro e sou apaixonada por essa arte, tem sido uma experiência muito legal, em especial por estudar um revolucionário como Artaud e seu Teatro da Crueldade. Acredito que temos que estudar coisas que nos emocionem e aliar Heliogábalo a Artaud tem sido muito especial para mim.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Roma. Conheci a cidade eterna em 2012, por ocasião do meu doutorado sanduíche na Europa e, ao ir embora, tive vontade de me ajoelhar e agradecer pela existência de cada ruína, de cada pedrinha.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Certamente Heliogábalo, acho sua rebeldia, fé fervorosa e capacidade de levar a cabo o que acreditava (seu culto ao deus Elagabal) fascinantes. As fontes apontam tentativas de Heliogábalo em se adaptar a alguns elementos da governabilidade romana, mas sua cultura siríaca falou mais alto em suas práticas político-administrativas, o que o levou a ser bastante rejeitado. Gosto dos antagonistas.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Pode ser um judeu do contexto romano? Se sim, chamaria Jesus Cristo para um café. Tenho muita curiosidade pela história de Jesus, no que ela foi transformada pelos evangelistas, pelos pais da Igreja e pela Igreja que surgiu a partir daí. Assim, cinco minutos com o mais famoso personagem da História seria de grande riqueza para desvelar um pouco sobre o homem que há por trás do mito. Conversaríamos sobre suas ideias, seria fascinante ouvir suas próprias palavras.

Entrevista com Gilvan Ventura da Silva

O entrevistado de hoje é Gilvan Ventura da Silva, professora titular de História Antiga na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Gilvan Ventura da Silva. Foto: acervo pessoal.

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Meu interesse pelo Mundo Antigo, em especial pela História de Roma, remonta ao último ano do ensino ginasial (o 9º ano), quando se estudava a assim denominada “História Geral”. Foi nessa ocasião que, pela primeira vez, tomei contato com o estudo das civilizações antigas. Logo de início, minha atenção se voltou para o Império Romano, com destaque para a época tardia, a da desagregação do Império. Mais tarde, quando ingressei na graduação em História, na UFRJ, tive a felicidade de fazer parte, logo no início do curso, de um projeto coletivo sobre a fase final do Império Romano coordenado pela profa. Norma Musco Mendes, que foi minha orientadora de Iniciação Científica. Desde então venho me dedicando ao estudo da Antiguidade Tardia, com ênfase no século IV, período sobre o qual fiz minha dissertação de mestrado e minha tese de doutorado.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

A resposta a essa pergunta é difícil, pois lidamos com um repertório bibliográfico que não cessa de crescer, havendo muitos títulos importantes e bastante interessantes, alguns de fácil leitura, outros nem tanto. No momento, estou concluindo a leitura de SPQR, uma história da Roma antiga, de Mary Beard. Trata-se de um livro muito bem escrito e com diversos insights, razão pela qual o recomendo.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

De modo geral, tenho me dedicado a discutir os vínculos entre política, cultura e construção do espaço no Império Romano, sendo esta uma das minhas principais áreas de orientação. Em termos específicos, investigo, no momento, a ocupação da rua pela população de Antioquia, a capital da província da Síria Coele, nos séculos IV e V.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Para o futuro, almejo continuar com as reflexões sobre o espaço construído na Antiguidade, pois tenho buscado cada vez mais uma aproximação com o trabalho dos arqueólogos e dos geógrafos. Ao estudo do ambiente construído, pretendo acrescentar o estudo das formas de mobilidade espacial, um campo de investigação que vem ganhando terreno nos últimos anos.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Sem dúvida, a cidade de Roma, que conheci pela primeira vez em 1999, quando cumpria estágio de doutorado-sanduíche na École Française. Para alguém que estuda o Império Romano, a oportunidade de visitar Roma é uma experiência indescritível. Outra cidade que me marcou muito foi Cesareia da Palestina, em virtude do estado de conservação das construções.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Meu personagem antigo favorito não poderia ser outro senão Constâncio II, imperador sobre o qual fiz minha tese de doutorado. Apesar de não gozar da preferência da maioria dos historiadores, Constâncio teve uma atuação decisiva na reconfiguração da monarquia romana no século IV.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria para um café? Sobre o que conversariam? 

Se tivesse a oportunidade de conversar com um autor antigo, gostaria de me encontrar com João Crisóstomo para perguntar a ele porque decidiu contrariar as determinações de Arcádio e Eudóxia quando gozava de imenso prestígio junto à corte. Ao desafiar o imperador e a imperatriz, João praticamente selou o seu destino como bispo de Constantinopla, tendo morrido no exílio alguns anos depois. As razões da recalcitrância de João ainda me parecem muito nebulosas, por isso valeria a pena que ele próprio as esclarecesse.

Entrevista com Lourdes M. G. Conde Feitosa

A entrevistada de hoje é Lourdes M. G. Conde Feitosa, professora do curso de História da Universidade do Sagrado Coração, Bauru/SP.

Lourdes Feitosa. Foto: acervo pessoal.

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

O interesse especial pela História Antiga surgiu com a minha participação no Núcleo de Estudos Antigos e Medievais (NEAM), logo que iniciei a faculdade na Unesp em Assis. Foi com as leituras, pesquisas e conversas que ali tive com os professores e colegas que fui seduzida pela antiguidade.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

É difícil escolher, pois cada um deles tem a sua importância em ampliar os nossos horizontes, mas destaco duas obras da historiografia contemporânea que foram impactantes para mim durante a minha graduação, que são os livros de Paul Veyne – A vida privada no Império Romano e o de Catherine Salles – Nos submundos da Antiguidade. Isso foi nos anos de 1980 e por meio deles tive informações então inusitadas sobre a antiguidade greco-romana, como bem mostram os títulos, e que me encantaram ao proporem reflexões a respeito do matrimônio e a aceitação, ou não, da maternidade; sobre a família, os libertos, os escravos; o papel das festas e da religiosidade, dentre muitos outros. Deste universo de temas, um livro marcante e inspirador, mas publicado quando eu já estava no Mestrado, seguramente foi o do Pedro Paulo Funari – Cultura Popular na Antiguidade Clássica.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Os meus temas de pesquisa abrangem as questões de gênero e sexualidade. A partir delas, uma gama de possiblidades se coloca. Recentemente, a pesquisa realizada foi sobre como o corpo e a sexualidade do passado romano são apresentados em produções fílmicas denominadas como Documentários, realizadas por canais de TV paga de alcance mundial. A proposta foi a de problematizar, em específico, a sexualidade romana projetada em Sex in the Ancient World: Pompeii e o conceito do filme documentário como representante do passado histórico.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

O corpo é um tema que me atrai bastante e vinculado a ele está o uso de diferentes roupas e a sua conexão com as relações de gênero e o lugar social ocupado. A Arqueologia mostra que na cidade de Pompéia havia uma ampla produção e comércio de tecidos. Desses estabelecimentos foram encontrados treze officinae lanificariae, responsáveis pela lavagem e tratamento das fibras; sete officinae textoriae, nas quais aquelas eram cardadas, alongadas, fiadas e tecidas e, para a finalização do processo, as officinae tinctoriae (nove na cidade), responsáveis pelo tingimento. Também temos disponíveis pinturas que mostram estes aspectos. Assim, esta é uma possibilidade para o futuro.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Gosto de brincar que o mundo greco-romano me conquistou antes que eu me desse conta. Sou originária de Gália, que fica perto de Pompéia, ambas cidadezinhas do interior de São Paulo assim nomeadas em homenagem às suas homônomas do Império Romano, e, somado a isso, o meu marido se chama Hércules! Estaria escrito nas estrelas? Bem, o que posso mensurar foi a sensação especial que senti ao visitar o sítio arqueológico de Pompéia e lá é que tive a real dimensão de que estudar o passado é tratar de pessoas como nós, com os seus dilemas, angústias e alegrias. Com certeza, foi ao caminhar pelas ruas da cidade, sentar na arquibancada do anfiteatro e me imaginar participante de um espetáculo ou da escrita de um dos tantos grafites deixados nas paredes é que me senti fortemente conectada com os pompeianos do século séc. I d.C.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por quê? 

Realço não um personagem, mas um símbolo – o falo, que é muito representado no cotidiano romano e para nós motivo das mais variadas reações.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Seria muito interessante um bate papo com aqueles aos quais tenho dedicado grande parte de meu esforço acadêmico, que são os populares de Pompéia. Ouvir mais das histórias destas pessoas ali nascidas ou originárias das mais diversas partes do império devido à escravidão, e que ali construíram o se modo de ser e viver.

Entrevista com Bernardo Brandão

O entrevistado de hoje é Bernardo Brandão, professor de língua e literatura grega na Universidade Federal do Paraná.

Bernardo Brandão. (Foto: acervo pessoal)

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Desde criança meus pais me falavam dos Antigos, seus mitos e filósofos. Quando era adolescente, as histórias do Asterix, os diálogos de Platão e um rápido estudo do grego me colocaram definitivamente nessa trilha e me fizeram, no vestibular, optar pelas Letras Clássicas.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Entre os antigos, Homero, Heródoto, Platão (a Apologia, o Górgias o Banquete, o Fédon e a República), a Ética de Aristóteles, as Enéadas de Plotino, o Evangelho de João, as Odes de Horácio e as Confissões de Agostinho. Entre os modernos, Os Gregos e o Irracional (E. R. Dodds), O que é Filosofia Antiga (Pierre Hadot), Greek Pilgrimage (John Carroll), Os mestres da verdade na Grécia Arcaica (Marcel  Detienne).

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Acredito que os antigos tenham ainda algo a ensinar a nossa época, em especial a respeito de duas coisas: comunidade e contemplação. Quantas vezes nos vemos como indivíduos isolados, dedicados a trabalhar ou a dissipar o tempo na internet, esquecendo-nos de que somos animais políticos, que construímos a vida boa em comunidade, e que parar para admirar o mistério do mundo, ou seja, para contemplar, é tão necessário ao espírito quanto o alimento ao corpo! Por isso, esses são temas da minha pesquisa: por um lado, o estudo a noção de contemplação nos filósofos da tradição platônica (os medioplatônicos, Plotino, Agostinho) e, por outro, a recepção da Política de Aristóteles na filosofia política contemporânea, em especial na obra de Martha Nussbaum, Michael Sandel e Alasdair MacIntyre.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Queria me dedicar mais a traduções: ainda nos falta muita coisa em português. Estou trabalhando em uma tradução do De Libero Arbitrio de Agostinho, mas gostaria, no futuro, de me fazer outras traduções de textos filosóficos.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Delfos, o centro do mundo para os gregos, onde, por uma feliz coincidência, passei meu aniversário de 30 anos.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Sem dúvida Sócrates, tal como retratado nos diálogos de Platão. Não apenas praticou, mas viveu a filosofia, e nos ensinou os fundamentos do caminho de nossa inteligência em direção à sabedoria: aprendermos a distinguir entre o que de fato sabemos e o que não sabemos.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Plotino, que estudei em meu mestrado e meu doutorado, sobre quem ainda pretendo escrever um livro e que me ensinou a ver o mundo do avesso. Certamente teria muito a conversar com ele.