De Chirico: Recepção dos Antigos Gregos e Romanos na arte de vanguarda do século XX

Imagem de divulgação no Instagram

Olá, pessoal! Nós do Antiga e Conexões estamos trabalhando em uma série de textos temáticos para vocês e no post de hoje gostaríamos de apresentar o tema escolhido: A Recepção dos Clássicos nas vanguardas, mais especificamente, nas obras do pintor italiano Giorgio De Chirico.

De Chirico (1888 -1978), embora pouco conhecido e estudado por historiadores da arte, foi um dos precursores do Surrealismo, mas sua relevância não se reduz somente a isso. Nascido em Volos, na Grécia, filho de pais italianos, teve uma vida de diversas mudanças – as quais marcam suas obras – devido ao trabalho de seu pai como engenheiro de estradas de ferro. Essas viagens trouxeram ao pintor o extenso repertório dos artistas europeus, dentre esses os antigos, renascentistas e modernos, bem como a imoprtante influência do pintor suíço, que fez parte do movimento artístico simbolista, Arnold Böklin. Além disso, De Chirico contou com influências filosóficas, principalmente de Nietzsche e Schopenhauer. 

As obras de De Chirico se enquadram no que foi chamado de pintura metafísica. Esse movimento procurava se opor ao futurismo e suas motivações nacionalistas, também buscava estar fora da temporalidade e se opunha à transitoriedade. Para isso, o pintor se apoiou em elementos da antiguidade e sua mitologia, as quais se entrelaçam em suas pinturas com elementos arquitetônicos urbanos e modernos, criando, assim, uma noção de tempo fixo.

Mesmo influenciando as vanguardas do início do século XX, devido ao elemento onírico presente em suas obras, o próprio pintor se considerava anti-vanguarda. Enquanto o pintor metafísico buscava uma constante retomada do passado, diferiu-se de ideias vanguardistas, uma vez que estas buscavam o novo.  Para De Chirico, a retomada do passado manteria sua obra como constantemente atual. Afinal, conforme afirma Paulo Roberto Amaral Barbosa segundo o pensamento de De Chirico, “a força geradora de crítica ao sistema não está na disposição de uma leitura, mas na sua constante interpretação”. Por esse pensamento, o pintor italiano foi visto, de certa forma, como um reacionário,  pois buscava retomar o período clássico e renascentista em sua pintura.

A incessante recuperação do passado realizada por De Chirico não foi em vão ou despropositada, nessa ação há a criação de algo novo por meio do estranhamento que as figuras deslocadas causam. Tal estranhamento levanta  questionamentos por parte de quem as observa, devido a fuga da lógica e da disposição dos objetos, de maneira que os descontextualiza. Alguns temas recorrentes que aparecem em suas obras, além dos clássicos e da mitologia, são os espaços vazios, componentes arquitetônicos e personagens sem rostos, além da maneira como ele se utiliza da perspectiva para reforçar esse estranhamento. Tais elementos geram o sentimento de ausência e dão o tom melancólico à suas pinturas.

Ao observarmos a produção de De Chirico, interessa-nos perceber como ele trouxe novos elementos a partir do passado antigo, ou seja, como a recepção do passado se fez presente em diversos contextos, possibilitando a produção de novas ideias. O passado não se encontra engessado, mas sim fluido e aberto, permitindo novos olhares para aquilo que por vezes parece distante. A partir de sua obra, trabalharemos em uma série de três textos as temáticas da ruína e da melancolia como resistência ao progresso. Esperamos, assim, investigar como os Antigos também podem ser pensados como forma de subversão ao conservador e como uma ruptura para com determinados esteticismos vigentes.

Referências:

BARBOSA, Paulo Roberto Amaral. Melancolia e Questões Estéticas: Giorgio De Chirico. 179 f. Tese (Doutorado em Artes Visuais) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA-USP, São Paulo, 2011.

Da Grécia Antiga à China Contemporânea: Ai Weiwei no Brasil!

Odisseia, 2016.

Nascido em Pequim em 1957, filho de Ai Qing – um dos maiores poetas da China contemporânea e exiliado pelo governo comunista em 1958 – Ai Weiwei teve uma infância difícil com o desterro da família, com pouco acesso a produção cultural dada às proibições a que foram submetidos, mas isso não impediu que se tornasse um artista multifacetado. Poeta, arquiteto, curador, especialista em artesanato chinês antigo, editor, urbanista – é um dos idealizadores do estádio olímpico da China -, blogueiro e, acima de tudo uma importante voz libertária, um crítico social e ativista. Com esse perfil, seguramente sua vida é cercada de algumas prisões e, também, muitas obras polêmicas. Talvez uma de suas mais conhecidas por aqui seja a obra de 1995 em que derrubou, deliberadamente, enquanto foi fotografado, um vaso da dinastia Han (206 a.C a 220 a.C) em um ato crítico à chamada revolução cultural chinesa e às perseguições que se seguiram.

Pela primeira vez no Brasil com a exposição Raiz que reúne obras de vários momentos de sua carreira e de curadoria de Marcello Dantas, nosso blog não poderia deixar de registrar sua passagem. Não só porque partilhamos de sua ideia de que um blog permite ações culturais e trocas intensas entre pessoas de diferentes lugares e ideias, mas também porque entre as várias obras expostas tem uma em especial baseada na Odisseia. Isso mesmo, Weiwei tem uma obra inspirada nos poemas atribuídos a Homero! E é a ela que gostaria de dedicar esse post.

Em 2015, após ter recebido seu passaporte de volta, Weiwei foi a Europa pela primeira vez e não deixou de notar a crise imigratória instaurada. Tendo se estabelecido na Grécia por algum tempo, como ativista e crítico das mazelas humanas, fotografou e filmou as condições precárias em que as pessoas faziam as travessias e construiu, a partir de coletes salva vidas que os refugiados usavam para chegar a Europa, uma obra visualmente impactante. Essa obra pode ser vista na exposição Raiz, assim como um imenso painel que narra em preto e branco as jornadas dos refugiados, as guerras, a pobreza, as dificuldades das travessias e, também, a série de cerâmica que criou como suporte para a narrativa da precariedade da vida dessas pessoas. O prato de 2017 chamado A viagem, assim como os vasos empilhados, são objetos que colocam em paralelo a atual tragédia humana com a Odisseia. O contraste entre os coletes e os vasos, entre o passado – a origem da Grécia e, portanto, do Ocidente – e o presente – o deslocamento forçado – é profundamente tocante. Viagens duras, tempos diversos, sentidos contrastantes que chocam nossa percepção de mundo.

Em várias entrevistas a Obrist, Weiwei fala de como a antiguidade pode se transformar em arte contemporânea, em como é fundamental borrar as fronteiras do novo e do velho, do verdadeiro e do falso, de como é importante que as coisas possam ser mudadas. Todos esses aspectos se encontram nesse conjunto de obras. Se essas que comentei denunciam as guerras, a violência e o trauma, a obra Pneu, em mármore, é uma homenagem aos que arriscaram tudo para salvar suas famílias. Assim, trabalhando materiais importantes na cultura dos antigos gregos, como a cerâmica, a pintura vascular e o mármore, a narrativa de viagem, como a Odisseia, e mesclando com objetos atuais como coletes salva vidas e pneus, Weiwei cria um encontro único de temporalidades e narrativas, dores e angustias, de sobrevivência e esperança. Não é à toa que, ao ser perguntado por Orbist qual sua palavra favorita, respondeu: agir! As viagens retratadas em um diálogo entre passado e presente se configuram em ação, luta e busca pela liberdade!

Raiz já passou por algumas cidades e fica ainda no Brasil por mais um tempo. Está em Curitiba, no Museu Oscar Niemayer, MON, até 28 julho de 2019. Vai lá, vale a pena!

  • Renata Senna Garraffoni

Para saber mais:

Sobre a exposição Raiz no MON, curadoria de Marcello Dantas:

http://www.museuoscarniemeyer.org.br/exposicoes/exposicoes/aiweiwei

Ai Weiwei entrevistado por Hans Ulrich Obrist, Cobogó, 2018.