Em busca da família perdida

Afresco de Terentius Neo e sua Esposa. Fonte: Museu Arqueológico de Nápoles

Certamente você, que está lendo esse texto, já ouviu em algum momento da sua vida a frase: “Na minha época existia respeito à família, não era como hoje”.

Muito possivelmente essa frase que você já ouviu foi evocada por alguém mais velho, referindo-se a um passado em que a família era uma estrutura coesa e base da formação de cidadania. Mais do que isso, a frase simboliza uma contraposição entre um presente decadente e um passado glorioso para a instituição familiar. A decadência contemporânea pode ser causada por vários motivos – o divórcio, a falta de religião, a tecnologia, a liberdade sexual – e seria base da destruição de um ideal de família perdido ao longo do tempo e que precisa ser recuperado.

O mais interessante nesse tipo de discurso é a romantização do passado, algo encontrado até mesmo no início do Império Romano. Augusto, primeiro imperador romano, reforça a imagem da família arcaica (aquela do período da Monarquia) como moralmente superior por ter uma ligação mais direta com a terra e valorizar, nesse sentido, o trabalho braçal – e não os bens materiais. Essa moralidade recaía especialmente sobre as mulheres: nesse passado mítico, as mulheres eram mais virtuosas, dedicavam-se mais à família e eram mais castas. Esse tipo de olhar, reforçado posteriormente por autores como Tácito e Juvenal, é uma crítica às mulheres da elite romana, por sua frivolidade, adultérios e busca constante pelo divórcio – ainda que este fosse uma prática comum.

De maneira próxima ao que existe na contemporaneidade, os discursos construídos por Augusto em sua retomada da família arcaica eram reflexo de um sistema moral e de relações ideais do que deveria ser a família no início do Império Romano. Essa visão, ainda que romantizada e possivelmente imprecisa, criava um imaginário sobre a família e implicava, em alguma medida, em questões concretas – como a legislação de Augusto que transformava o divórcio em procedimento formalizado a ser realizado diante de sete testemunhas. Nesse sentido, é possível perceber como a construção dos discursos míticos empreendida por Augusto foi uma reapropriação e reelaboração narrativa ainda na Antiguidade, utilizada para reforçar um tipo específico de mentalidade sobre a família. É interessante perceber, a partir disso, como a utilização do passado não é um recurso retórico recente, mas sim uma constante ao longo de variados espaços e períodos históricos.

  • Ingrid C. K. Frandji

Para saber mais:

The Augustan Reformation – http://www.womenintheancientworld.com/augustanreformation.htm

DIXON, Suzanne. The Roman Family. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1992.