A imagem da Grécia Antiga como uma ferramenta para o colonialismo e para a hegemonia europeia

Martin Gardiner Bernal (foto: Harvey Ferdschneider)

O texto “A imagem da Grécia Antiga como uma ferramenta para o colonialismo e para a hegemonia europeia” foi escrito por Martin Bernal e compõe a obra Repensando o Mundo Antigo, organizada e revisada por Pedro Paulo A. Funari, com a tradução de Fábio Adriano Hering e de Glaydson José da Silva. Nesse, Bernal discute como a área dos Estudos Clássicos, apesar de muitas vezes entendida como distante do dia a dia da sociedade, na verdade “tem sido marcada por uma atitude francamente política” e, portanto, é muito atual. A Grécia Antiga foi pensada ao longo dos séculos de acordo e, muitas vezes, justificando a política do período em que é estudada, a exemplo do imperialismo e do neocolonialismo no caso em questão. Nesse sentido, Bernal identifica que existem entre os ocidentais dois modelos principais para se entender as origens da Grécia Antiga. O primeiro seria o Modelo Antigo e o segundo o Modelo Ariano.

De acordo com o Modelo Antigo, aceito até o fim do século XVIII, “a Grécia teria sido habitada por tribos primitivas – como os pelasgos, entre outros – sendo posteriormente, colonizada pelos egípcios e pelos fenícios”. Enquanto para o Modelo Ariano, pensado principalmente a partir do Romantismo, Racismo e do conceito de progresso na Europa, “os gregos que começavam então a serem vistos como particularmente virtuosos, foram, de certa forma, convocados para se tornarem setentrionais, pois não poderiam ter recebido a herança de sua civilização das luxuriantes e decadentes regiões meridionais e orientais”. Além disso, o Modelo Ariano também se baseou nos argumentos de que em algum período da história teria havido uma única linguagem proto-indo-europeia, “desta forma, se o grego era uma língua indo-europeia, em algum estágio ele deveria ter sido introduzido na Europa, a partir do Norte”.

Contudo, segundo Bernal, a negação à influência Fenícia não foi aceita devido aos interesses dos Ingleses sobre a história desse povo, considerado manufatureiro, comerciante e civilizador. Desta maneira, a origem da Grécia Antiga passou então a ser baseada no Modelo Ariano Ampliado, o qual rejeitava apenas as influências egípcias. Esse permaneceu até o início do século XX, quando o antissemitismo se espalhou na Europa. Com a Segunda Guerra Mundial e a percepção das graves consequências trazidas pelo racismo – como o holocausto – o povo judeu passou a ser entendido novamente como europeu, apesar de não terem havido muitas mudanças para a recuperação da “reputação” dos fenícios. Desse modo, a partir da década de 1960, observamos as tentativas para trazer de volta o Modelo Ariano Ampliado.

Com as mudanças de visão política, novos estudiosos e novas descobertas acerca das influências egípcias no Egeu, o Modelo Ariano perdeu força e cedeu espaço para a reaceitação do Modelo Antigo. Entretanto, segundo Bernal, o “erro” do antissemitismo não foi suficiente para derrubar o Modelo Ariano, uma vez que existem evidências que sustentam a teoria da língua indo-europeia. E, desse modo, há a necessidade de novos debates para definição de um novo Modelo para o estudo da Grécia Antiga, o qual consiga relacionar as melhores características dos dois modelos, mas que para o autor, deverá se aproximar mais do Modelo Antigo. Na medida em que o Modelo Ariano é uma visão eurocêntrica de legitimação da hegemonia, autoritarismo e superioridade europeia e, a Grécia era possuidora de uma cultura com completamente eclética e mesclada.

Referências

BERNAL, Martin. A imagem da Grécia antiga como uma ferramenta para o colonialismo e para a hegemonia europeia. In: FUNARI, Pedro Paulo (org.). Repensando o mundo antigo – Martin Bernal, Luciano Canfora e Laurent Olivier. Textos Didáticos. nº 49. Campinas: IFCH/UNICAMP, 2005, p.11-31.

  • Barbara Fonseca

Bento Cego, o Homero Paranaense

Revista Illustração Paranaense. Edição nº3, 1929.

No Paraná do início do século XX a elite curitibana buscou símbolos e tradições grandiosas, visto que o estado conseguiu sua independência de São Paulo só em 1853 e assim não fazia frente a outras importantes regiões do país. Afinal, não tinha uma forte economia e não possuía uma identidade própria do “Ser Paranaense”. Essa necessidade em criar uma identidade ficou conhecida como Paranismo ou Movimento Paranista.

Nesse movimento, além da elite, participaram diversos artistas, os quais criaram obras de acordo com suas ideias do que demonstraria as características imponentes da região. Entre elas observamos principalmente a estilização do pinhão, do Pinheiro do Paraná e da erva-mate, mas também combinações desses com símbolos estrangeiros, como por exemplo, com os antigos gregos e romanos. Esse é o caso da personagem citada no título do presente texto, o Bento Cego, ou Homero Paranaense/Antoninense.

Conhecemos a personagem Bento Cego a partir da revista Illustração Paranaense[1], periódico publicado no estado entre 1927 e 1930. Nela descobrimos que Bento nasceu na cidade de Antonina-PR e é chamado de Homero, pois também seria cego; era um contador de histórias assim como o grego; e saia pela cidade a cantar, só que em vez de lira, ele tocava viola[2]. Observamos ainda no livro Bento Cego[3], escrito em 1902 por Nestor de Castro, a comparação física entre Bento com o que os paranistas imaginavam que seria o Homero Grego: ambos teriam a compostura varonil e cabelos longos e pretos caindo aos ombros.

Tal ligação com os clássicos não é a única encontrada no Paranismo. E na medida em que os paranistas consideravam os antigos grandiosos, comparar um símbolo importante do folclore paranaense – chamado na Illustração Paranaense de “o maior bardo sertanejo do Paraná” – com outro da Grécia Antiga contribuía para fortalecer essa identidade em construção. Elevando, assim, o Paraná ao mesmo “nível” da cultura da Grécia Antiga.

  • Barbara Fonseca

Referências:

[1] Revista Illustração Paranaense. Edição nº5 – 6, 1929. 

[2] TURIN, Elisabete. A arte de João Turin. Campo Largo: Ingra, 1998.

[3] CASTRO, Nestor. Bento Cego. Arquivo Municipal de Antonina.

PEREIRA, Luis Fernando Lopes. Paranismo: o Paraná inventado: Cultura e imaginário no Parana da I Republica. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998.