Cinema e Recepção – Coletânea de Textos Temáticos

Olá, pessoal! Esperamos que estejam bem!

Semana passada publicamos nosso primeiro material, referente aos primeiros meses de trabalho deste ano. Hoje, divulgamos seu segundo volume, no qual reunimos as produções vinculadas à temática da recepção nas produções cinematográficas. Com elas, e seguindo a proposta do primeiro volume, anexamos imagens e dicas de leitura para uma maior interatividade. Assim, procuramos poder propagar nossos trabalhos, alcançando novos espaços de discussão e de estudos. Esperamos que todas e todos apreciem essa leitura!

Para acessar o material: https://issuu.com/antigaeconexoes/docs/publica_o_antiga_e_conex_es_-_vol._ii

E como mencionamos em nossas redes, também estamos disponibilizando as duas coletâneas para download, em formato pdf. Para acessá-los, é só clicar nos links abaixo:

Volume I – Recepção na Obra de Giorgio De Chirico: https://drive.google.com/file/d/1_M4386e7SolF1nYHtiBgz0lERrA4yI2z/view?usp=sharing

Volume II – Cinema e Recepção: https://drive.google.com/file/d/1mHNBZ-dFZcjM7DaP_ecYz6Rt6j-2_9aJ/view?usp=sharing

Cleópatra de 1963 construindo a visão coletiva da rainha egípcia

Elizabeth Taylor como Cleópatra. Imagem: divulgação

Em 1963, a empresa americana 20th Century fox lança o filme Cleópatra, com duração de cinco horas e com um orçamento de 31 milhões de dólares, o que pode não parecer muito mas se corrigirmos a inflação isso seriam aproximadamente 263 milhões hoje em dia. Para se ter uma ideiam esse foi o orçamento de Star Wars: Episódio VIII – Os Últimos Jedi, lançado em 2017. Star Wars, somente nos EUA, arrecadou 1.3 bilhões de dólares, enquanto Cleópatra arrecadou apenas 57 milhões e quase levou a empresa a falência. Diante disso, a pergunta aqui é: por que? Po rque 20th Century Studios tomou tamanha aposta com o filme?

Sheldon Hall e Steve Neale nos ajudam a responder essa pergunta em Epics, spectacles, and blockbusters. Segundo os autores, a marca dos anos 60 foi a politica dos roadshows, popularizados pelo filme Os dez mandamentos (1953). Essa era basicamente a prática da venda do filme com assentos sendo reservados, para lucrar com esse método o atrativo do filme seria sua qualidade e proporções, isso explica a longa extensão dos filmes que chocam as audiências atuais acostumadas com filmes de no máximo duas horas e meia, enquanto Os dez mandamentos tem uma duração de mais de três horas. As empresas apostavam em histórias que atrairiam o grande público, em especial o estilo sandália e espada marcou essa era, sendo assim a proposta de retratar um épico deveria retornar os custos gigantescos dessas produções, entretanto isso apenas move a questão de porque Cleópatra? A resposta é simples, porque deu certo antes.

Retratar Cleópatra VII em formato cinematográfico já tinha sido feito antes com grande sucesso em especial as versões de 1917 e 1934. O primeiro é um filme mudo estrelando Theda Bara, o segundo um épico em preto e branco estrelando Claudette Colbert. Em Reception Studies, Lorna Hardwick levanta uma questão essencial para o entendimento dos estudos de recepção, esses passam por diversos filtros através das diversas produções, e as Cleópatra(s) dessa forma se inspiram em suas versões subsequentes, o que é demonstrado pela semelhante estrutura das três histórias que tomam como base a peça shakespeariana Antônio e Cleópatra, a qual data do século XVII, e representa Cleópatra como uma mulher que seduz homens poderosos para a ajudar em seus planos.

Cleópatra de 1963 porém não obteve o sucesso das versões anteriores, retorno Sheldon Hall e Steve Neale para justificar como o fracasso de bilheterias desse filme paradoxalmente o fez tão importante para os estudos de recepção, segundo os autores os executivos agora presos com um filme que nenhuma sala de cinema queria e a empresa passado por problemas financeiros foram forçados a tomar uma solução drástica, vender o filme para companhias de televisão, tal medida recuperou os gastos da empresa, mas também fez algo, marcou o fim de uma era, se antes a politica dos roadshows tinha mantido o cinema como uma comodidade exclusiva o filme para a televisão abriu as portas para o grande público, mas também fez algo a mais esse filme mudou a nossa visão da rainha egípcia.

Nas duas versões anteriores, apesar de ser o nome dela no título, as coisas não acontecem por causa de Cleópatra, elas acontecem para ela. A personagem não é central da trama e sim uma vítima dela. Tanto em 1917 quanto em 1934, a morte da rainha ocorre como um triunfo do vilão Octaviano. Ela morre para evitar as humilhações que sofrerá nas mão dele, Cleópatra morre porque a trama a levou a isso. No último capítulo de sua obra, Hardwick levanta uma questão essencial para o entendimento dos estudos das recepções dos antigos. Toda obra ao dialogar com o presente e com o passado traz novos sentidos para o assunto, o exemplo usado no último capítulo, são os das peças do dramaturgo grego Sófocles.

Camille Paglia vai se referir a Cleópatra como a primeira Femme Fatale e Cleópatra de Elizabeth Taylor é exatamente isso, ela é tudo menos vitima, ao contrário. Todos os membros da trama são vítimas dela, seu intelecto assim como sua sedução formam a marca de seus planos. A personagem é bela, maquiavélica e acima de tudo perigosa, até mesmo a sua morte é uma ação ardilosa que fracassa o plano de Octaviano. Conforme explica Hardwick, as recuperações dos antigos formam as imagens deles frente ao grande público, mas isso é possível somente se essa interpretação atingir o grande público. Se hoje em dia continua-se a discutir a interpretação de Taylor quanto as questões de, como por exemplo, raça e gênero, é porque esse filme foi capaz de marcar uma geração. Mais do que abrir um épico para o grande público, ele também formou a visão coletiva de Cleópatra VII. O filme talvez não tenha sido um sucesso de bilheterias, mas por causa disso ele tornou-se o memorável clássico que ainda é motivo de debate cinquenta anos após seu lançamento.

Referencias

HARDWICK, Lorna. Reception studies. 2003.

HALL, Sheldon. NEALE, Steve.Epics, spectacles, and blockbusters: A Hollywood history. Wayne State University Press, 2010.

  • Vitor Gabriel Maidl