Em 2007, a indústria cinematográfica deu luz (e câmeras e ação) ao filme 300, de Jack Snyder, baseado na HQ homônima de Frank Miller, de 1998. O filme foi um tremendo sucesso e garantiu uma sequência direta, 300: A Ascensão do Império, novamente baseada em uma HQ (Xerxes: The Fall of the House of Darius and the Rise of Alexander) de Miller. Apesar dos títulos, a história acaba sendo muito mais um manifesto fantasiado de filme histórico do que propriamente um filme histórico, mesmo considerando toda a liberdade que se deva dar ao roteiro para ele não se tornar um filme cult chato apenas para intelectuais historiadores e alguns entusiastas mais hardcores. Embora os negacionistas de plantão (eles sempre se negam a não aparecer) tentem salvar a imagem do filme e da HQ, o discurso Nós x Eles, Liberdade x Escravidão, Democracia x Tirania, Homogeneidade x Heterogeneidade, Ocidente x Oriente, e assim a lista segue e segue, é estocado garganta abaixo dos espectadores. Entretanto, o filme não é a primeira obra a se aproveitar da Batalha das Termópilas para vender valores Ocidentais do final do século XX e começo do XXI; Portões de Fogo, de Steven Pressfield, por exemplo, faz o mesmo não apenas com uma romantização ainda mais absurda em termos de História Antiga e de plot, mas é também extremamente mal escrito (fica a dica de não-leitura).

O modo como Esparta é mostrada como guardiã da liberdade é um tremendo plot twist em relação ao que Esparta realmente era: escravocrata e institucionalmente pedófila. Nem Snyder nem Miller mostraram essas faces espartanas, pois seus heróis não poderiam ser maculados com a quebra de valores morais do século XXI, pelo contrário, eles eram os baluartes desses valores. Os atenienses são os amantes de garotos, os persas são os libertinos, seu exército é um amalgama excêntrico de árabes e negros, mas os espartanos são brancos, sarados e têm uma habilidade bélica imbatível, vencidos apenas por causa da traição de um Efialtes “Quasímodo versão Espartana” – obviamente o traidor tem que ter uma aparência disforme, ele não pode se parecer com os mocinhos.

O filme, seguindo sua matriz milleriana, se centra em personagens de falas contundentes, austeros, prontos para se sacrificar em nome de seu povo, sem aliados ou de qualificação insatisfatória, militaristas e de alto valor (vide a cena em que invés de se curvar à morte, Leonidas prefere tentar um último arremesso de lança), em uma relação maniqueísta contra O Grande Mal encarnado em Xerxes e seu decadente Império. Invés do cinema ter tentado tornar o passado mais convidativo, equilibrando o lado lúdico e o educativo, ele criou uma panfletagem bélica, anacrônica e essencialmente xenofóbica, vestida com escudo, capa, elmo e lança. A sensação pós 300 é de luto, mas não pelos personagens, mas pelo passado, o presente e o futuro, pois o que ganhou voz ampliada nas caixas de som do cinema foram delírios de um autor que tinha uma visão de história deveras intrigante, não apenas do passado antigo quanto daquele recente, visto sua HQ e seus comentários que dava em entrevistas sobre o papel dos EUA no mundo.
- André S. N. Pinto
Sugestão de leitura:
KASHANI, Tony. “300: Proto-fascism and Manufacturing of Complicity”. <http://www.tonykashani.com/?page_id=7>.