Hades: a possibilidade da contracultura nos jogos

Imagem de divulgação no Instagram

Lançado em 2020 e produzido pela Supergiant Games, Hades é um jogo eletrônico de modelo RPG de ação. No jogo assumimos o papel de Zagreus, um deus rebelde tentando escapar do submundo e de seu rigoroso pai Hades para poder encontrar sua mãe, Perséfone. Durante sua aventura, Zagreus encontra diversos personagens da mitologia grega, entre eles estão: Sísifo, as Erínias, Teseu, o minotauro, etc… A representação dos deuses gregos no jogo é um pouco relevada em razão que essa de grande forma ignora a violência cometida pelos deuses contra mortais, porém nesse texto desejo comentar sobre a narrativa do jogo como uma potencial forma de questionar representações heteronormativas de maneira similar a contracultura

Tendo seu auge na década de 1960, a contracultura foi um movimento de utilização dos meios de comunicação de massa para o questionamento dos padrões sociais, já comentado anteriormente no blog o filme Satyricon(1969) está nesse contexto sua trama demonstra diversos questionamentos de masculinidade e sexualidade. Em Hades vemos semelhantes discursos que conflitam com uma visão heteronormativa, em enfoque está o protagonista Zagreus que se dá a entender como bissexual, ao demonstrar interesse em Megera (Uma das Erínias e uma mulher) e em Tânatos (a personificação da morte e um homem) outros momentos ocorrem quando Zagreus interage com Afrodite, a deusa grega do amor, e essa comenta sobre a atração do personagem por homens e mulheres.

Esse tipo de representação é rara em jogos eletrônicos que normalmente são bastante hostis à comunidade LGBTQ+. Final Fight (1989), por exemplo, um jogo de estilo Beat ‘em up (que no Brasil geralmente é traduzido como jogo de briga de rua ou vulgarmente como jogo de porradaria), os personagens derrotam hordas de inimigos, entre eles a personagem conhecida como Poison mulher extremamente sexualizada com curvas volumosas e roupas reveladoras e os produtores, preocupados com a polêmica da possibilidade de se espancar uma mulher na rua, optaram por indicar que Poison é uma mulher transexual. Essa decisão implica uma lógica  que agredir uma mulher trans é mais correto ou legítimo do que uma mulher cis, o que é um discurso profundamente transfóbico e ,até hoje, suas aparições seguintes na série Street Fighter, são extremamente controversas e, normalmente, gera discussões acaloradas entre os fãs.

Isso nos faz questionar sobre a qualidade da representação de uma mulher trans quando essa existe apenas para deixar o jogador confortável em agredi-la, outro exemplo ocorre no jogo The King of Fighters(1994) com o personagem Benimaru esse é um dos lutadores do jogo, e sua característica mais chamativa são suas roupas e movimentos extravagantes isso acompanhado com o tom agudo da sua voz fez os jogadores questionarem quanto a sua sexualidade. Nas versões seguintes do jogo toda vez que a oponente de Benimaru é uma mulher a animação de entrada altera para uma espécie de cantada, nesse ponto podemos questionar também um óbvio machismo no qual o papel de uma mulher é de afirmar a viralidade de um homem

Tais interpretações também são comuns no cinema trago como exemplo o filme Tróia (2004) onde não só o romance de Aquiles (Brad Pitt) com Pátroclo (Garrett Hedlund) é rescrito, já que tornam-se primos, ao invés de amantes, papel dado a sacerdotisa Briseis (Rose Byrne) similar ao caso de Benimaru, quando tendo sua sexualidade questionada o homem exerce sua virilidade conquistando uma mulher

Falando em Aquiles e Pátroclo, os dois também aparecem em Hades. Toda vez que Zagreus morre em combate no submundo (o que acontece com bastante frequência no jogo) ele retorna ao palácio de seu pai onde conversa com os membros da corte e um desses personagens é Aquiles, que foi encarregado por Hades em treinar Zagreus. Aquiles é um dos personagens com que Zagreus possui maior afinidade no início do jogo e ele comenta sobre seu único arrependimento é não ter passado mais tempo com o amor de sua vida. Bem em uma de suas excursões por Elísio Zagreus encontra com esse amor, Pátroclo, que apesar de ressentido ainda ama Aquiles. O jogador pode então escolher por reunir os dois, em nenhum momento a proeza militar de ambos é  questionada, com Aquiles sendo o mestre de armas de Zagreus e Pátroclo exaltado em Elísio; seu romance é tido como um amor que conquista a tudo inclusive a morte.

O retorno aos clássicos pode assim demonstrar visões de passado conservadoras como no filme Troia onde o herói é viril porque é hétero e homem como também novos tipos de representações onde o herói continua sendo herói pouco importando sua sexualidade, demonstra como são possíveis novas narrativas não apenas sobre a mitologia grega, mas também das representações não heteronormativas em um ambiente como o dos jogos.

  • Vitor Gabriel Maidl