The New Goddesses: Performances Mitológicas à Moda Drag Queen

Imagem de divulgação. Instagram: @antigaeconexoes.

Olá! Esperamos que esteja bem!

No texto de hoje daremos continuidade à questão das relações criadas entre a roupa e a performatividade, já trabalhada em outras publicações. Como já apresentado, sustentamos que há um rompimento quanto à noção de que as roupas são meramente superficiais, não detendo significados mais profusos sobre as individualidades. Pelo contrário, concebemos, seguindo a leitura de Miller (2013), como a vestimenta é um potencial mecanismo de exteriorização de partes de si em movimentos performativos instantâneos. Nessa linha, tomamos como ideia de performance a traçada por Zumthor (2007), ao se reconhecer a momentaneidade de suas manifestações, variantes em seus aspectos históricos, sociais e subjetivos, e submetidas aos processos criativos e comunicacionais de seus agentes. 

Por conseguinte, apreendemos como o ator performático extrapola os limiares da indumentária para se conectar com a totalidade corporal ao associar o interior com o exterior a partir de inscrições corporais delimitadas pela atuação social, como teoriza Butler (2003). Por essa mesma autora, notamos como as ideologias criadas em sociedade acerca das atuações pessoais, especificamente orientadas segundo concepções de gênero, acabam por passar às corporeidades em significações próprias em jogos com “ausências significantes” (BUTLER, 2003, p. 194) na construção de identidades. Em decorrência, os conceitos generificados, ilusórios por sua caracterização social imanente, acabam por se contrapor a atuações consideradas transgressoras, tais como a ação Drag. Por esse modo, tomamos como o objeto de análise desse texto as formas de evocação da Antiguidade por essas performatividades subversivas e jocosas sobre os padrões comportamentais, contrapondo sexo, gênero e performance, tal qual expõe a autora. 

De modo a fazer esse breve estudo, tomamos como documento a promoção da quinta temporada do reality show RuPaul Drag Race, um concurso norte-americano ao qual drag queens competem pelo título de Drag Queen Superstar. Nesse vídeo, visualizamos como o mundo antigo é encarnado em uma ruptura em relação aos ideais de gênero, recuperado especialmente por imagens mitológicas e destacando-se na expressão visual pela indumentária. Desse modo, averiguamos uma dissensão nas noções tradicionais do “Clássico”, uma definição repensada e rearticulada desde a diversidade inerente ao mundo antigo e às suas recepções, conforme retrata Settis (2006). Em concordância com esse modelo de apropriação não homogeneizante do passado, a montagem audiovisual traz alguns elementos inerentes ao passado de povos egípcios, indianos e até mesmo “espaciais”. Desestrutura, zomba e ironiza os ideais de gênero e de um passado greco-romano “clássico”. 

Para além disso, mencionamos essa fonte como sendo um exemplar das construções de novos significantes linguísticos acerca do mundo antigo, em especial a partir de recepções pós-modernas sobre o passado, em consonância com o examinado por Settis (2006). Afinal, o trailer respalda-se sobre evocações fragmentárias do passado e banaliza suas noções “tradicionais” ao aliá-lo a temas cotidianos, como a discoteca e as sungas douradas. Entretanto, ao mesmo tempo, ligam-se às retomadas modernas da Antiguidade, reconhecendo de forma consciente as posições dos componentes greco-romanos, egípcios e de demais povos antigos usados em sua criação – nomeadamente no vínculo entre seus conhecimentos sobre representações visuais de deusas mitológicas manifestadas em suas formas de vestir, com os fatores tomados como disruptivos na sociedade contemporânea. 

Tendo essas considerações em perspectiva, podemos concluir, enfim, como o mundo Drag Queen tem grande espaço no trato performativo crítico do mundo antigo, especialmente em imagens que refletem a variabilidade de situações nele encontradas. Ao revestir-se de elementos pós-modernos, transpondo aspectos do passado em fragmentos e vulgarizados, constituem, afinal, movimentos conscientes em seus discursos atuais, que, críticos às postulações sociais de gênero, encontram nas vestimentas uma forma máxima de expressão. 

Trailer de promoção. RuPaul’s Drag Race. 5a temporada.

Referências:

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de: Renato Aguire. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 

MILLER, Daniel. Por que a indumentária não é algo superficial. In: _____. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. p. 21-65.

SETTIS, Salvatore. The Future of the ‘Classical’. Tradução de: Allan Cameron. Cambridge: Polity Press, 2006.

ZUMTHOR, Paul. Performance e Recepção. In: ______. Performance, recepção, leitura. Tradução de: Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo: Cosac Naify, 2007. p. 45-60.

  • Heloisa Motelewski