Entrevista com Erica Angliker

A entrevistada de hoje é Erica Angliker, professora do Institute of Classical Studies na School of Advanced Study (University of London).

Erica Angliker. Foto: acervo pessoal.

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Eu decidi pelo estudo da antiguidade só nos últimos anos do meu bacharelado em filosofia na Unicamp. Durante o curso de filosofia comecei a estudar grego e latim por serem disciplinas obrigatórias, mas com o desenrolar do curso fui me interessando cada vez mais pelo mundo antigo, principalmente pela Grécia Antiga. Além dos cursos de língua, também fiz vários cursos de história antiga na Unicamp. Quando terminei o curso de filosofia mudei para área de literatura grega e fiz meu mestrado também na Unicamp com um trabalho sobre o livro II das Histórias de Heródoto, o qual traduzi integralmente. Embora meu mestrado tenha sido em literatura grega, acho que já naquela época eu tinha um pé na arqueologia, pois minhas principais questões diziam respeito a essa área. Hoje, além do trabalho teórico na área de arqueologia grega, também escavo regularmente em Despotiko (região de Paros) e também em Eleutherna (Creta).

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Meus livros prediletos são Descrição da Grécia, do geógrafo grego Pausanias, onde temos descrições descrições de localidades da Grécia Central e do Peloponeso com informações muito importantes sobre religião e costumes gregos antigos. Até onde eu sei, não existe tradução para o português dessa obra, espero que um dia alguém aí no Brasil se aventure a traduzir esta obra magnífica e tão importante. Outro livro que gosto muito é o The Making of the Middle Sea, do Cyprian Broodbank. É um livro de grande fôlego no qual o autor apresenta sistematicamente a história e arqueologia Mediterrânica. Num momento em que divisões artificiais são impostas na região mediterrânica, é sempre bom lembrar da unidade que sempre existiu nessa área cuja riqueza se deve exatamente pela grande possibilidade de trânsito de diversos povos.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

No momento, estou trabalhando com santuários Cicládicos e religiões mediterrânicas, mas também tenho uma pesquisa sobre espaços para dança e música nos santuários gregos. Além disso, também estou preparando para publicação as estatuetas de argila do santuário de Despotiko. Por fim, também desenvolvo uma pesquisa sobre cultos em cavernas na região da Cicládica.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Adoraria poder pesquisar mais sobre cultos anicônicos e cultos em lugares naturais (rios, lagos, montanhas, etc.).

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

O santuário de Despotiko, na região de Paros, marcou minha carreira e vida para sempre. Eu estudava história da arte grega e literatura quando fui escavar em Despotiko, só para ter uma escavação no meu currículo. Gostei tanto que não só voltei todos os anos como também migrei definitivamente para a área de arqueologia. Despotiko é mais do que o lugar onde escavo e estudo, lá também tenho minha segunda família. Hoje, graças a uma parceria com universidades brasileiras (e.x. UFMG e UFPR), estou levando alunos brasileiros a Despotiko com regularidade para que eles possam passar pela experiência ímpar de descobrir o passado com as próprias mãos.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Hipatia de Alexandria, uma filósofa neoplatonica grega do Egito Romano. Embora o trabalho dela não tenha sobrevivido, foi uma mulher extraordinária pela inteligência

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Chamaria um sacerdote ou sacerdotisa minoico para conversarmos sobre iconografia religiosa, o conteúdo dos tabletes com o Linear A e sobre a vida religiosa em geral na Creta Minoica. Apesar de tantos estudos e rios de tinta, muitas questões pairam sobre essa civilização.

Entrevista com Luciane Munhoz de Omena

A entrevistada de hoje é Luciane Munhoz de Omena, professora da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Luciane Munhoz de Omena. Foto: acervo pessoal.

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Quando cursava o Ensino Fundamental, estudei em um colégio Adventista. Como todos sabemos, é um ensino religioso, logo, o professor de religião produzia uma apologia ao cristianismo e nos ensinava que a sociedade romana se fundamentava em pecado, destruição e pornografia. Eu sempre me senti incomodada com este discurso; por isso, passei a ler a bíblia e frequentar a biblioteca, buscando temas sobre o império romano. Passados alguns anos, decidi cursar a Faculdade de História. Estando na Universidade Federal de Ouro Preto\UFOP, conheci o professor Dr. Fábio Faversani. Com ele, desenvolvi um estudo acerca das estratégias de afirmação social das mulheres romanas em Metamorfoses, de Lúcio Apuleio. É importante ressaltar que iniciei esta pesquisa no segundo semestre do curso, 1995. Quando finalizei a Faculdade de História, 1998, ingressei no Mestrado na Faculdade de História-Unicamp, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Paulo A. Funari. O projeto visava à compreensão das práticas de poder em Sêneca, De Clementia. Ao finalizar a dissertação em 2003, iniciei meu doutoramento na Faculdade de História na Universidade de São Paulo, sob a orientação do prof. Dr. Norberto Luís Guarinello. Na tese, propus analisar as relações sociais entre o Princeps e a plebs na cidade de Roma com base nas obras de Sêneca. Em 2015, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Paulo A. Funari, realizei meu pós-doutoramento estudando memória e luto na sociedade imperial a partir dos vestígios materiais (Mausoléu de Augusto) e textuais (e.g. consolatórias de Sêneca). Ademais, ao longo dos meus 11 anos de docente na UFG, tenho orientado pesquisas acerca das tragédias gregas e latinas, Tito Lívio, Horácio, Sêneca, Quinto Cúrcio, Suetônio, Sêneca, Tácito, Apuleio, entre outros autores.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Aprecio muitos autores, mas para citar de forma rápida, vou elencar alguns: O trabalho e os dias de Hesíodo, Apocolocyntoses e De Beneficiis de Sêneca, Uita de Flávio Josefo, Os Doze Césares de Suetônio, Troianas de Eurípides, Medéia de Sêneca, obras de Machada de Assis, como, por exemplo, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Clarice Lispector, Baudelaire, Ítalo Calvino, entre outros

Quais são os seus temas atuais de pesquisa?

Meu atual projeto intitula-se – Morte e Memória no Império Romano à época do Principado (27 a.C. – 192 d.C). Nele, recentes estudos têm apontado um contínuo crescimento de análises sobre a maneira como as pessoas morrem, tratamento dos corpos, tipos de sepulturas, local de deposição no sítio, artefatos, construções identitárias em sarcófagos e relevos, além da paisagem funerária. Ao levar em consideração a relevância das representações mortuárias no Mediterrâneo Ocidental, analiso, em termos históricos, a experiência social da morte, à medida que engloba a forma como os mortos na sociedade romana imperial passam a ser lembrados ou, dependendo das circunstâncias, condenados ao apagamento. Em função da temática, o arcabouço documental contempla vestígios materiais, tal como o Mausoléu de Augusto, as narrativas textuais, como, por exemplo, Sêneca e Apuleio, assim como também abarco ainda a epigrafia sepulcral de Mediolanum e a necrópole de Isola Sacra, ao norte de Ostia, fundada à época da construção dos portos de Cláudio (41-54 d.C.) e Trajano (77-117 d.C.).

Posto isto, interessa-me ressaltar, que analiso as imagens mortuárias nos túmulos, nas procissões funerárias e no luto prolongado inserindo-os em um cenário político e social, pois, como suponho, tais celebrações, mesmo em nome dos mortos, transformavam-se em veículos de comunicação e instrumentos de poder. Normalmente, abordo ainda as seguintes questões:

1. A compreensão do ritual funerário, entendido como um conjunto de atos repetidos que se inserem em uma dimensão simbólica, bem como o seu desenrolar no espaço da cidade, para compreender, dessa forma, os símbolos e as insígnias da cerimônia. Neste sentido, estudo os rituais fúnebres como expressões festivas, pois, tal como proponho, as festas produzem identidades entre os participantes, o compartilhamento do símbolo comemorado, se inscrevem em uma memória social e apresentam também motivações diversas que se traduzem em conflitos e hierarquias sociais.

2. Analiso ainda as imagens da morte que se associam à atuação do feminino na corte e nas províncias imperiais (Ostia e Mediolanum), tanto no espaço doméstico quanto no público. Tais imagens trazem à tona um passado “ressignificado” e “reinventado”, o qual legitima a auctoritas do imperator. Sêneca (AdMarciam de Consolatione I. 7) construiu a reputação da domus de Augusto indicando, em especial a valorização de Lívia ao associá-la à imagem masculina de uiri com a uirtus; com isso, incorporou coragem e glória eterna no cortejo fúnebre de seu filho (Sêneca. AdMarciam de Consolatione IV, 3). Assim, produzo reflexões sobre a função feminina no luto prolongado e sua associação com a prática da uirtus, os rituais femininos de purificação essenciais à familia funesta e o papel masculino no cortejo fúnebre, sobretudo, o discurso no rostrum. Logo, contemplo análises sobre o papel da família de seus membros na produção de memória social do morto.

3. Além disso, busco compreender as dimensões mais particulares e emocionais da lembrança do falecido; com isso, produzo reflexões sobre a presença de afetividade nas relações familiares que, intensificadas pela perda, provocavam, em alguns casos, a extensão do luto prolongado, gerando, dessa forma, a morte social dos enlutados e do próprio falecido.

4. Para finalizar, a pesquisa abarca igualmente o espaço funerário na necrópole de Ostia (e igualmente o Campo de Marte e Via Appia) e, dessa forma, incorporo questões sobre a construção dos túmulos e sua sinalização na paisagem como um dispositivo de poder, já que a aristocracia competia por espaços de memória na cidade dos mortos. Neste contexto, levo em consideração o estilo, ocupantes, dimensões, materiais, forma, decoração, tipo de escrita, periodização, localização, tema e dedicante; para, com isso, desenvolver pesquisas acerca das relações familiares, relações de gênero, festividades dos mortos, infância, magistraturas, ofícios e as dimensões mais particulares e emocionais no modo como se lembravam dos mortos na sociedade romana.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Desejo continuar com os estudos acerca da arqueologia da morte.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Como respondi na primeira questão, o Colégio Adventista levou-me a querer estudar as sociedades mediterrânicas.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por quê? 

A minha personagem favorita é a Medeia, porque, a partir dela, vê-se a atuação feminina em um universo falocêntrico.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria para um café? Sobre o que conversariam?

Conversaria com Sêneca e discutiria assuntos sobre as relações de poder e morte na sociedade romana.  

Entrevista com Semíramis Corsi Silva

A entrevistada de hoje é Semíramis Corsi Silva, graduada, mestre e doutora em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Franca). Atualmente é professora de História Antiga da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Semíramis Corsi Silva. Foto: acervo pessoal.

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Decidi que pesquisaria sobre o mundo antigo já no primeiro ano da graduação de História. Eu estava na busca por um objeto para pesquisar, minha vontade era estudar sobre magia e feitiçaria, o que sempre despertou minha curiosidade. Em 2000, durante um minicurso, estudei sobre a magia praticada pelos antigos romanos e romanas e fiquei encantada com a temática.

Quais são os seus livros favoritos? (Antigos ou contemporâneos sobre os antigos).

São muitos. Mas para resumir, gosto bastante dos Epigramas de Marcial, das Sátiras de Horácio, do Satyricon de Petrônio, etc. É incrível como mesmo tendo sido escritos há quase dois mil anos atrás eles ainda nos fazem rir. É preciso, porém, perceber o tom moralista destas obras, ver como o humor pode ser uma poderosa arma política à favor das elites, no caso deles, mas podendo também se reverter à favor dos oprimidos. Das obras contemporâneas gosto muito dos livros de Paul Veyne, meu historiador preferido. Trata-se de um historiador polêmico, mas citaria, entre várias obras dele, o livro Como nosso mundo se tornou cristão. Gosto de seus argumentos.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Atualmente pesquiso sobre um imperador romano conhecido como Heliogábalo, que governou Roma entre 218 e 222. Por ter origens siríacas e ser sacerdote de Elagabal, um deus solar sírio cujos sacerdotes realizavam intervenções no corpo, segundo minhas pesquisas têm apontado, este imperador foi considerado “transgênero” na documentação antiga, ou seja, considerado feminino e desejando, inclusive, cortar suas genitálias masculinas e ter uma vagina (conforme conta Dião Cássio, seu detrator). Por conta disso, atualmente tenho me debruçado sobre estudos de gênero e corpo na Antiguidade.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Por conta da proximidade da cultura siríaca de Heliogábalo com as culturas apresentadas no Antigo Testamento, tenho desejado me aventurar a estudar o variado universo cultural do Crescente Fértil, mais especificamente em torno das culturas do eixo sírio-palestino antigo. Mas também desejo muito trabalhar com algumas recepções contemporâneas de Heliogábalo, o que tenho já começado a fazer com o Teatro, em especial com a obra de Antonin Artaud (1896-1948), um escritor e ator francês. Como fiz teatro e sou apaixonada por essa arte, tem sido uma experiência muito legal, em especial por estudar um revolucionário como Artaud e seu Teatro da Crueldade. Acredito que temos que estudar coisas que nos emocionem e aliar Heliogábalo a Artaud tem sido muito especial para mim.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Roma. Conheci a cidade eterna em 2012, por ocasião do meu doutorado sanduíche na Europa e, ao ir embora, tive vontade de me ajoelhar e agradecer pela existência de cada ruína, de cada pedrinha.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Certamente Heliogábalo, acho sua rebeldia, fé fervorosa e capacidade de levar a cabo o que acreditava (seu culto ao deus Elagabal) fascinantes. As fontes apontam tentativas de Heliogábalo em se adaptar a alguns elementos da governabilidade romana, mas sua cultura siríaca falou mais alto em suas práticas político-administrativas, o que o levou a ser bastante rejeitado. Gosto dos antagonistas.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Pode ser um judeu do contexto romano? Se sim, chamaria Jesus Cristo para um café. Tenho muita curiosidade pela história de Jesus, no que ela foi transformada pelos evangelistas, pelos pais da Igreja e pela Igreja que surgiu a partir daí. Assim, cinco minutos com o mais famoso personagem da História seria de grande riqueza para desvelar um pouco sobre o homem que há por trás do mito. Conversaríamos sobre suas ideias, seria fascinante ouvir suas próprias palavras.

Entrevista com Gilvan Ventura da Silva

O entrevistado de hoje é Gilvan Ventura da Silva, professora titular de História Antiga na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Gilvan Ventura da Silva. Foto: acervo pessoal.

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Meu interesse pelo Mundo Antigo, em especial pela História de Roma, remonta ao último ano do ensino ginasial (o 9º ano), quando se estudava a assim denominada “História Geral”. Foi nessa ocasião que, pela primeira vez, tomei contato com o estudo das civilizações antigas. Logo de início, minha atenção se voltou para o Império Romano, com destaque para a época tardia, a da desagregação do Império. Mais tarde, quando ingressei na graduação em História, na UFRJ, tive a felicidade de fazer parte, logo no início do curso, de um projeto coletivo sobre a fase final do Império Romano coordenado pela profa. Norma Musco Mendes, que foi minha orientadora de Iniciação Científica. Desde então venho me dedicando ao estudo da Antiguidade Tardia, com ênfase no século IV, período sobre o qual fiz minha dissertação de mestrado e minha tese de doutorado.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

A resposta a essa pergunta é difícil, pois lidamos com um repertório bibliográfico que não cessa de crescer, havendo muitos títulos importantes e bastante interessantes, alguns de fácil leitura, outros nem tanto. No momento, estou concluindo a leitura de SPQR, uma história da Roma antiga, de Mary Beard. Trata-se de um livro muito bem escrito e com diversos insights, razão pela qual o recomendo.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

De modo geral, tenho me dedicado a discutir os vínculos entre política, cultura e construção do espaço no Império Romano, sendo esta uma das minhas principais áreas de orientação. Em termos específicos, investigo, no momento, a ocupação da rua pela população de Antioquia, a capital da província da Síria Coele, nos séculos IV e V.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Para o futuro, almejo continuar com as reflexões sobre o espaço construído na Antiguidade, pois tenho buscado cada vez mais uma aproximação com o trabalho dos arqueólogos e dos geógrafos. Ao estudo do ambiente construído, pretendo acrescentar o estudo das formas de mobilidade espacial, um campo de investigação que vem ganhando terreno nos últimos anos.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Sem dúvida, a cidade de Roma, que conheci pela primeira vez em 1999, quando cumpria estágio de doutorado-sanduíche na École Française. Para alguém que estuda o Império Romano, a oportunidade de visitar Roma é uma experiência indescritível. Outra cidade que me marcou muito foi Cesareia da Palestina, em virtude do estado de conservação das construções.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Meu personagem antigo favorito não poderia ser outro senão Constâncio II, imperador sobre o qual fiz minha tese de doutorado. Apesar de não gozar da preferência da maioria dos historiadores, Constâncio teve uma atuação decisiva na reconfiguração da monarquia romana no século IV.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria para um café? Sobre o que conversariam? 

Se tivesse a oportunidade de conversar com um autor antigo, gostaria de me encontrar com João Crisóstomo para perguntar a ele porque decidiu contrariar as determinações de Arcádio e Eudóxia quando gozava de imenso prestígio junto à corte. Ao desafiar o imperador e a imperatriz, João praticamente selou o seu destino como bispo de Constantinopla, tendo morrido no exílio alguns anos depois. As razões da recalcitrância de João ainda me parecem muito nebulosas, por isso valeria a pena que ele próprio as esclarecesse.

Entrevista com Lourdes M. G. Conde Feitosa

A entrevistada de hoje é Lourdes M. G. Conde Feitosa, professora do curso de História da Universidade do Sagrado Coração, Bauru/SP.

Lourdes Feitosa. Foto: acervo pessoal.

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

O interesse especial pela História Antiga surgiu com a minha participação no Núcleo de Estudos Antigos e Medievais (NEAM), logo que iniciei a faculdade na Unesp em Assis. Foi com as leituras, pesquisas e conversas que ali tive com os professores e colegas que fui seduzida pela antiguidade.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

É difícil escolher, pois cada um deles tem a sua importância em ampliar os nossos horizontes, mas destaco duas obras da historiografia contemporânea que foram impactantes para mim durante a minha graduação, que são os livros de Paul Veyne – A vida privada no Império Romano e o de Catherine Salles – Nos submundos da Antiguidade. Isso foi nos anos de 1980 e por meio deles tive informações então inusitadas sobre a antiguidade greco-romana, como bem mostram os títulos, e que me encantaram ao proporem reflexões a respeito do matrimônio e a aceitação, ou não, da maternidade; sobre a família, os libertos, os escravos; o papel das festas e da religiosidade, dentre muitos outros. Deste universo de temas, um livro marcante e inspirador, mas publicado quando eu já estava no Mestrado, seguramente foi o do Pedro Paulo Funari – Cultura Popular na Antiguidade Clássica.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Os meus temas de pesquisa abrangem as questões de gênero e sexualidade. A partir delas, uma gama de possiblidades se coloca. Recentemente, a pesquisa realizada foi sobre como o corpo e a sexualidade do passado romano são apresentados em produções fílmicas denominadas como Documentários, realizadas por canais de TV paga de alcance mundial. A proposta foi a de problematizar, em específico, a sexualidade romana projetada em Sex in the Ancient World: Pompeii e o conceito do filme documentário como representante do passado histórico.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

O corpo é um tema que me atrai bastante e vinculado a ele está o uso de diferentes roupas e a sua conexão com as relações de gênero e o lugar social ocupado. A Arqueologia mostra que na cidade de Pompéia havia uma ampla produção e comércio de tecidos. Desses estabelecimentos foram encontrados treze officinae lanificariae, responsáveis pela lavagem e tratamento das fibras; sete officinae textoriae, nas quais aquelas eram cardadas, alongadas, fiadas e tecidas e, para a finalização do processo, as officinae tinctoriae (nove na cidade), responsáveis pelo tingimento. Também temos disponíveis pinturas que mostram estes aspectos. Assim, esta é uma possibilidade para o futuro.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Gosto de brincar que o mundo greco-romano me conquistou antes que eu me desse conta. Sou originária de Gália, que fica perto de Pompéia, ambas cidadezinhas do interior de São Paulo assim nomeadas em homenagem às suas homônomas do Império Romano, e, somado a isso, o meu marido se chama Hércules! Estaria escrito nas estrelas? Bem, o que posso mensurar foi a sensação especial que senti ao visitar o sítio arqueológico de Pompéia e lá é que tive a real dimensão de que estudar o passado é tratar de pessoas como nós, com os seus dilemas, angústias e alegrias. Com certeza, foi ao caminhar pelas ruas da cidade, sentar na arquibancada do anfiteatro e me imaginar participante de um espetáculo ou da escrita de um dos tantos grafites deixados nas paredes é que me senti fortemente conectada com os pompeianos do século séc. I d.C.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por quê? 

Realço não um personagem, mas um símbolo – o falo, que é muito representado no cotidiano romano e para nós motivo das mais variadas reações.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Seria muito interessante um bate papo com aqueles aos quais tenho dedicado grande parte de meu esforço acadêmico, que são os populares de Pompéia. Ouvir mais das histórias destas pessoas ali nascidas ou originárias das mais diversas partes do império devido à escravidão, e que ali construíram o se modo de ser e viver.

Entrevista com Gabriele Cornelli

O entrevistado de hoje é Gabriele Cornelli, professor de filosofia antiga da UNB.

Gabriele Cornelli (Foto: acervo pessoal)

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Acho que na verdade nunca decidi realmente. Tenho tido esta impressão na vida que as melhores coisas não as escolhemos, nos acontecem. Os estudos clássicos foram algo que cresceu junto comigo, desde minha adolescência, no Liceo Classico: comecei a estudar grego, latim, literatura antiga, filosofia aos 13-14 anos e, bem… nunca senti realmente a vontade de deixar de estudar. É algo que faz parte daquilo que eu sou desde praticamente sempre.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Há muitos. Mas se devo decidir pela frequentação, por aquilo para o qual acabo voltando sempre, como em um processo de releitura que acompanhou até aqui todos os períodos de minha vida, pessoal e profissional, creio que na parte da estante ao alcance da mão nunca faltaram Homero e a Bíblia: são como duas grandes gramáticas da vida, inteiros vocabulários de nossas culturas, territórios a serem explorados a partir de entradas sempre novas. E a todo momento origens a serem superadas, mas com certa graça e sempre – ao final – olhando furtivamente para atrás para agradecer a estrada percorrida juntos.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Nos últimos 20 anos tenho me dedicado principalmente à filosofia pré-socrática e a Platão. Com uma especial atenção à definição do indivíduo entre religião e política.  Continuo fazendo isso. Mais recentemente estou procurando compreender como minha leitura da filosofia, que nasce entre os séculos VI e IV aEC, é influenciada pelo fato de estar trabalhando há duas décadas no Brasil e na América Latina. E tentando me deixar provocar por isso a fazer novas perguntas aos textos de sempre.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Falo antes de sonhos, mais do que de projetos propriamente. Sonhos que compartilho com meus alunos e alunas, para ver se alguém pega a ideia e faz dela um projeto de vida acadêmica. Alguns e algumas já foram picadas e picados por estes sonhos e – devo admitir – estão fazendo um excelente trabalho. Queria muito poder repensar radicalmente as relações raça e gênero nos textos filosóficos antigos, pois tanta dor e injustiça se construiu a partir de uma leitura misógina e heteronormativa de nossas melhores ideias clássicas (e por vezes também das piores). Tenho muita vontade de compreender o que aconteceu na Primeira Academia, nos 20-30 anos depois da morte de Platão, pois aí germinou algo que marcou por dois milênios a configuração de nosso pensamento. Queria poder traçar os caminhos dos primeiros encontros, no VIII-VII séculos aEC entre as ideias que vinham carregadas do Oriente e o que já se pensava à beira do Mediterrâneo.

Agora, na prática, o que provavelmente irei fazer é aprofundar minha leitura dos pré-socráticos e de Platão, com um interesse especial no tema da imortalidade como definidor dos limites e potencialidades do individuo. Ah, e queria mesmo continuar traduzindo os antigos para oferecer ao mais novos pesquisadores um texto compreensível e atual.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

O lugar que foi um pouco o berço de tudo isto aqui foi mesmo minha escola de ensino médio, o Liceo Classico Omero, na periferia de Milão. Com meus professores, Borsa, Tornotti, Savino (este último um renomado tradutor de Platão, como poderia fugir de minha Moira?). O legal é que era uma escola praticamente de plástico, uma construção que foi feita para ser precária e durar uns 5 anos, e que abrigou centenas de alunos por mais de 40 anos. Hoje virou um Centro Social alternativo para as pessoas do bairro. Recordo de nosso orgulho de poder estudar lá, de podermos ler os textos originais em grego e latim. Vejo ainda nossos olhos iluminando-se quando Savino, ao final de praticamente toda aula de literatura grega, se despedia nos lembrando que “O mundo gira em torno ao grego!”.  Olhando hoje para trás, para aquele lugar caindo aos pedaços no meio de uma cidade fortemente voltada para o futuro, o sucesso, o dinheiro como era Milão nos anos Oitenta, não posso que reconhecer que foi aquele o lugar que marcou minha vida mais do que tudo mais. Exatamente por sua orgulhosa extemporaneidade.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Os dois que me veem à cabeça – sem muita edição, pois acho que a brincadeira aqui é esta – são Sócrates e Jesus! Dois puta caras! Ambos são personagens românticas avant la lettre, com uma ingenuidade de fazer sorrir e chorar ao mesmo tempo, heroicamente presos como estão entre ficção e realidade, entre o passado e o futuro, e lindamente decididos que iam mudar o mundo sozinho e usando somente as palavras! Coisa de loucos, literalmente! E romanticamente, é claro, acabaram bem mal.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Aristóteles, sem dúvida. Se fosse para tomar um vinho chamaria Espeusippo e Xenócrates, os primeiros dois sucessores de Platão na Academia, para ouvir das fofocas de quando Platão dava aula lá. Com Aristóteles seria em um café no Centro, bem cheio de gente, um encontro mais profissional, tipo uma entrevista. Mas não deixaria ele falar, ficaria o tempo todo dando bronca. E faria ele admitir ao final que foi ele mesmo que sumiu com a Comédia dele: suspeitaria em um gesto sensível, vista a provável qualidade do texto.

Entrevista com José Geraldo Costa Grillo

José Geraldo Costa Grillo (Foto: acervo pessoal)

O entrevistado dessa semana é José Geraldo Costa Grillo, professor de Arte Antiga no Departamento de História da Arte e no Programa de Pós-Graduação em História da Arte da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Interessei-me pelo mundo antigo em dois momentos: primeiramente, pelo cristianismo primitivo e, depois pelo mundo grego; interesses que se deram quando decidi fazer o curso de teologia em 1984 e, em 2000, o curso de história.Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Meu livro favorito é a Ilíada de Homero.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Meu tema atual de pesquisa é o estudo da História da Arte Grega e Romana a partir das teorias e metodologias da Arqueologia Clássica.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Um tema que tem me despertado o interesse e sobre o qual já venho trabalhando e ofertando disciplina eletiva é o de Arte e Mitologia Clássica: do mundo antigo ao moderno.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

O lugar que mais me marcou foi o Areópago, que fica ao lado da Acrópole de Atenas; pois, ao subir sua escadaria, veio-me à mente que estava no mesmo lugar que estiveram Platão, Paulo e tantos outros que tenho estudado.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Há um herói da Ilíada de Homero pelo qual tenho enorme admiração: Aquiles. Pois, ele mostra o ser humano que todos nós somos, alguém com virtudes e defeitos em busca da realização de um ideal.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Eu gostaria muito de tomar um café com Ateneu de Náucratis para conversarmos sobre o livro treze de seu Dipnossifistas intitulado “Sobre as mulheres”. Perguntaria, primeiramente, se ele tem, realmente, algo contra as hetairas, ou se nós, os modernos, estamos lendo seu texto de maneira inadequada.

Entrevista com Rodrigo Tadeu Gonçalves

Nosso entrevistado de hoje é Rodrigo Tadeu Gonçalves, poeta e professor associado de Língua e Literatura Latina na Universidade Federal do Paraná.

Rodrigo Tadeu Gonçalves (foto: Rafael Dabul)

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Eu entrei na UFPR para fazer letras português-inglês, mas, naquela época, dois níveis de latim ainda eram obrigatórios, mais épica e tragédia gregas. Mantive meu curso mas fui fazendo as matérias de clássicas por amor às aulas e aos professores, que certamente determinaram minha escolha de também me formar em letras-latim (e quase ter terminado letras-grego). Acho que a presença do mundo antigo nos currículos é muito estimulante para os alunos que conhecem pouco a respeito dele, especialmente quando as disciplinas são ensinadas com a paixão devida.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Pergunta difícil. Mas eu diria que a Odisseia, a Eneida, o Anfitrião de Plauto, as Bacantes, a Antígona, puxa, muitos. Dos contemporâneos, leio e releio tudo da filósofa francesa Barbara Cassin, especialista em sofística grega e com uma visão da antiguidade e do poder da linguagem que é absolutamente sedutor. 

Quais são os seus temas atuais de pesquisa?

Trabalho bastante com recepção dos clássicos, especialmente sob a perspectiva da tradução e da performance. Tenho também uma tradução em andamento do De Rerum Natura do Lucrécio, em hexâmetros brasileiros, e já estou no livro 5 dos seis do total, mas não sei ainda quando sai. Faço parte da organização do segundo e último volume do Dicionário dos Intraduzíveis, organizado pela Cassin, e acho que isso tudo se conecta de maneiras algo confusas e interessante, ao menos pra mim.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Pretendo mergulhar mais a fundo em discussões sobre performance e recepção, via tradução, em um projeto megalomaníaco que ainda não está bem definido. E quero traduzir mais livros grandes depois do Lucrécio. Mas quais serão ainda não posso contar.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Passei dez meses na França para um pós-doc e de lá tive a chance de visitar Roma, a Inglaterra, entre outros países, mas não a Grécia (infelizmente). Roma é impressionante, e me lembro especialmente com muito carinho de um passeio de horas de bicicleta e a pé pela Via Appia, algo como uma viagem no tempo. Mas a França me marcou mais, pelo tempo dedicado às bibliotecas e à cidade de Paris, com seus muitos modos de se remeter à antiguidade (por exemplo, tem um teatro antigo escondido no meio da cidade, vale a pena procurar). 

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Difícil dizer, também. Mas sou fascinado pela Medeia, pela Antígona, pelo Dioniso das Bacantes, o Sósia do Anfitrião de Plauto, pelas infelizes Dido e Camilla da Eneida e pelo Odisseu. O Odisseu é um dos personagens mais impressionantes da história da literatura. Talvez o mais impressionante, complexo e imprevisível. 

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Lucrécio. Sem dúvida nenhuma. Ia querer saber se ele morreu mesmo de amor e se é verdade que ele foi envenenado por uma poção, e se o De Rerum Natura é mesmo sincero ou só uma tentativa desesperada de manter a sanidade em pequenos episódios em que o feitiço não estava funcionando. Imagino que, tanto tempo depois, ele poderia ser bem sincero. Pensando bem, depois de ler o ensaio “The Anguish of Virgil”, em que o meu amigo e tradutor de Homero e da Eneida (entre outras coisas), Rodney Merrill, descreve uma longa e sincera conversa que ele teria tido com Virgílio, eu queria encontrar também o mantuano pra saber um pouco mais de sua angústia eterna em ser lido para sempre como um defensor de Augusto, mesmo tendo dado ordens muito claras pra queimarem a Eneida. Mas, em ambos os casos, eu trocaria o café por uma cerveja. 

Entrevista com Maria Cecília de Miranda Coelho

Maria Cecília de Miranda N. Coelho é professora do departamento de Filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente pesquisa principalmente os temas Retórica grega; Teoria das emoções em Platão e Aristóteles, Recepção do teatro grego no Cinema e da cultura greco-romana nos Sermões do Padre Antonio Vieira.

Maria Cecília de Miranda Coelho (Foto: acervo pessoal)


Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Quando terminei a graduação em Filosofia, na UnB, fui dar aulas na Faculdade Católica de Brasília, e umas das disciplinas era um Seminário. Escolhi ler a República, de Platão. Embora tivesse admiração pela antiguidade, em parte motivada pelo professor Eudoro de Sousa, de quem, ainda que por pouco tempo, fora aluna, eu havia feito uma monografia final de graduação sobre Matemática e Lógica em Galileu (minha primeira graduação foi em matemática) e havia me dedicado mais a temas em História e Filosofia da Ciência. Senti enorme falta de conhecer melhor a cultura e principalmente, o teatro grego, para entender melhor a grande obra de Platão. Retornei à UnB, como ouvinte, para fazer disciplinas de literatura dramática grega. Ali redigi um texto: “Medeia, o silêncio ético de Aristóteles”, trabalho que a professora, Ana Vicentini, me incentivou a submeter ao congresso da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, de 1991, na UFMG.  Minha comunicação foi não apenas bem recebida – em particular com um comentário positivo e que muito me estimulou, do Prof. François Jouan -, mas também publicada no volume da Clássica, de 1992. Decidi ir para USP fazer um mestrado sobre Eurípides e Górgias e, desde então, vivo entre gregos e bárbaros, dramaturgos e filósofos.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos). 

Difícil escolher, mas lhe direi meia-dúzia: Agamêmnon, Medeia, Odisseia, Fedro, Metafísica. Dos modernos, dois que mudaram o rumo de minha pesquisa: Intellectual Experiments of the Greek Enlightenment, do Friedrich W. Solmsen e Classics and Cinema, do Martin M. Winkler.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Retórica grega; Teoria das emoções em Platão e Aristóteles, Recepção do teatro grego no Cinema e da cultura greco-romana nos Sermões do Padre Antonio Vieira.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial? 

Os mesmos temas que venho pesquisando, acrescentando teoria da imagem na antiguidade (o que envolve temas em arqueologia, que venho estudando nos últimos anos). Como respondeu Sócrates a Cálicles, quando esse disse que aquele sempre falava as mesmas coisas: “sempre o mesmo acerca do mesmo”. 

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual? 

Sim, a antiga Colina, residência dos professores da UnB. Lembro-me da primeira vez em que fui até lá, visitar o Prof. Eudoro de Sousa, criador do Centro de Estudos Clássicos (CEC) da UnB, com um amigo e professor, Gilson Sobral, contemporâneo de Ordep Serra. A biblioteca do Eudoro era complementar à do CEC (foi comprada, após seu falecimento, pela UnB e sinto orgulho de ter ajudado nesse processo; infelizmente os livros dele foram colocados em áreas separadas, e não ficaram no CEC). Ouvir o Prof. Eudoro falar sobre Dioniso, Creta e Heráclito foi muito marcante, e desde então, a conselho dele, venho tentando resistir na arena (ainda que, como disse o Oswald de Andrade, “a cada combate, mais rasgada fica a capa”) e “pegar o touro pelos chifres”.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Ícaro, por desejar e desobedecer.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Platão (mas em vez de café, mastiha). Eu teria umas perguntinhas sobre Górgias e outros sofistas.

Entrevista com Fábio Vergara Cerqueira

Nosso entrevistado de hoje é Fábio Vergara Cerqueira, professor nos cursos de História e Arqueologia/Antropologia da Universidade Federal de Pelotas.

Fábio Vergara Cerqueira. Foto: Acervo Pessoal

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Ainda estudante de graduação, me apaixonei pelos estudos da Antiguidade. No segundo ano de faculdade, fiz uma viagem à Europa, e fui à Grécia. Em Atenas, quando vi diante de mim o Partenon, bem, naquele momento decidi!

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Do início do século XX, do Louis Gernet, a sua tese de doutorado, “Recherches sur le développement de la pensée juridique et morale en Grèce (étude sémantique)” (1917), leitura meio pesada (não tem em português), mas, enfim, é o parto da Antropologia histórica da Grécia antiga. Da metade do século  passado: “The Greeks and the Irrational”, do Dodds, de 1950, mas esta disponível em português! Falando dos autores antigos, é difícil escolher… pois são relações muito variadas que a gente tem com os diferentes textos. Bem, mas falando em música, não dá pra fugir ao “Peri Mousikes” (Sobre a Música), do Plutarco (para muitos, Pseudo-Plutarco). Mas, assim, como uma leitura que faz a gente percorrer a Antiguidade, transitar entre a imaginação e narrativa dos fatos: não tenho dúvida, “Histórias” do Heródoto! Essa fluência entre razão e mito, que perpassa seus textos (digo no plural, pois sinto como um compêndio de folhetins), parece tão mais próximo de um modo de pensar comum para um grego! (se formos comparar com a postura mais racionalista, mais clean do Tucídides…). E o Brasil. Bem, tem muita coisa legal escrita no Brasil sobre a Antiguidade. Fica bem difícil escolher! A Maria Beatriz Florenzano tem um texto que meus alunos adoram: “Nascer, viver e morrer na Grécia antiga” (1996). Mas olha, se for falar sobre minha geração, que livro foi mais marcante de autor brasileiro quando éramos estudantes? Não sei os outros, mas, para mim, foi “Cultura Popular na Antiguidade Clássica”, do Pedro Paulo Funari, de 1989. Puxa, um livro que abriu a cabeça! Mas, finalmente… e um autor atual, impactante. Puxa…  tantos assuntos. Mas vou sugerir: Sandra Boehringer, grande nome para questão do amor, do erotismo. Obra, pra sacudir: “L´homosexualité féminine dans l’Antiquité grecque et romaine”.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Assim, tem os temas centrais, que seguem sendo em torno de música e de imagem. Como enfoque regional, tenho me dedicado ao mundo colonial grego, em específico o Sul da Itália (a cidade de Tarento e a região de Apúlia). Mas, no meio do caminho, vou me cruzando com diferentes problemas de estudos, como gênero, homoerotismo, educação, guerra, identidade, religião, morte e tantos outros. 

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Por enquanto, ainda tenho alguns temas para avançar no estudo da música na Magna Grécia (no caso, na iconografia de Tarento e Apúlia). Mas tem possíveis temas para o futuro: talvez homoerotismo, talvez mundo grego e não grego no Mar Negro, talvez repercussões de iconografia musical grega no mundo romano tardio (em torno de Orfeu, Musas…). Bem, tenho me dedicado também ao estudo da recepção da Antiguidade. Aí estou trabalhando no momento com dois temas: a iconografia da música antiga nos cemitérios e o imaginário das “Atenas brasileiras”.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Alguns lugares do mundo grego antigo me marcaram, em diferentes fases da vida. Quando estive na primeira vez na Grécia, ainda na adolescência, foi a Acrópole, mas também Creta. Quando comecei a me interessar pelo mundo colonial, meus olhos se voltaram para o Sul da Itália. São muitos lugares incríveis, mas diria que Paesto e Agrigento talvez sejam os mais impressionantes. Mas se vocês forem perguntar: mas qual o lugar que mais marcou? Bem, sem sombra de dúvida, a experiência mais marcante foi Delos. Permanecer na ilha-santúario por um período prolongado, passando as quatro luas no local, se  apropriar do espaço de uma cidade por meio de uma rotina, caminhar à noite no bairro do teatro, subir o monte Cinto com amigos, numa noite estrelada, clara, e de lá avistar um amplo conjunto de ilhas das Cíclades, é uma grande experiência.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que?

Bem… ficando no meu campo… na música: Orfeu é um personagem que me impressiona. Este músico mágico e sedutor. Por que? Pelo poder de encantamento que se acreditava que ele tinha, por meio de sua música. A capacidade de encantar animais, plantas e mesmo rios. A capacidade de encantar até mesmo as divindades ínferas, e convecê-las a lhe devolverem da morte sua amada Eurídice. Sua capacidade de derrotar, por meio de sua música, a música fatal das sereias. Orfeu, com seu canto, passa doçura aos guerreiros trácios. Mas Orfeu, além disso, sabia (simplesmente assim, como verbo intransitivo). Tinha acesso a conhecimentos muitos especiais, sobre o além-túmulo, sobre a morte. Em torno dele, dos conhecimentos e revelações cuja pregação inicial associavam a ele, desenvolveu-se toda uma religiosidade alternativa, o chamado orfismo. Mas tinha suas fraquezas, razão pela qual, inclusive, perdeu sua amada após quase conseguir trazê-la do Hades. Seu fim acaba sendo cruel, nas mãos de mulheres trácias ou bacantes. Eu vejo ali algo de homofobia, praticada por mulheres, que levam a uma morte violente. Mas mesmo na morte Orfeu é prodigioso. Sua cabeça, salva na ilha de Lesbos, torna-se um oráculo… o oráculo da cabeça de Orfeu! E sua lira, bem, está no céu, compondo a constelação Lyra.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Depende do objetivo! Com Antínoo, teria uma conversa, com Adriano, outra. Queria conversar com ele sobre a visão que tinha do Império e da Grécia. Sobre a conversa que eu teria com o Antínoo, acho que o Adriano não ia gostar. Mas, saindo da dicotomia grego/romano, se eu me encontrasse com o Aníbal, queria perguntar pra ele, por que não invadiu Roma quando podia.