Entrevista com Guilherme Gontijo Flores

Nessa semana nosso entrevistado é Guilherme Gontijo Flores, poeta, tradutor e professor de Língua e Literatura Latina na Universidade Federal do Paraná desde 2008.

Guilherme Gontijo Flores (foto: Rafael Dabul)


Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Eu decidi duas vezes: na primeira, quando li no original latino meu primeiro poema de Catulo, ainda no primeiro ano do curso de Letras Português da UFES; senti ali que eu tinha de aprender latim além dos dois semestres obrigatórios; graças à abertura e à amizade do professor Raimundo Carvalho, eu pude realizar esse desejo e ainda conhecer com ele o ofício da tradução poética. A decisão mesmo veio no fim da graduação, quando fui fazer o mestrado dedicado à tradução das Elegias de Propércio, ali eu sabia que estava fazendo uma escolha, deixando de lado a literatura brasileira que dominou minha graduação. 

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Essa pergunta é difícil pra mim, que não sou de fazer listas, ou organizar os afetos, muito menos os literários. Mas não consigo me imaginar sem Homero, Safo, Arquíloco,  Calímaco, Catulo, Horácio, Virgílio Propércio e Ovídio. Um livro moderno sobre os antigos que abriu a minha cabeça foi Tradition and originality in Greek and Roman Poetry, do Gordon Williams; além do Poetry as performance: Homer and beyond, do Gregory Nagy. Mas talvez o que mais me mova hoje sejam as abordagens atípicas da Anne Carson.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Trabalho sistematicamente com tradução poética desde que me volteis pro mundo de clássicas; vejo-me muito especificamente como estudioso de poéticas. Com o tempo, passei a me pensar a questão da performance, do mundo grego arcaico ao mundo romano em geral. Na última década venho fazendo uma tradução integral de Horácio, emulando ritmos da poesia greco-romana e fazendo performances cantadas e recitadas, ora sozinho em aulas e palestras, ora com a Pecora Loca, grupo dedicado a poesia e(m) tradução. 

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Quero traduzir todos os fragmentos de Arquíloco, porque tenho me fascinado nos últimos anos com o mundo arcaico. Também gostaria de poder me deter um pouco mais na poesia homérica. Seja como for, os vínculos entre poesia, performance e tradução ainda devem me guiar por um bom tempo, pois sinto que estou longe de me estabilizar no assunto. Também tenho me voltado, porém de forma menos acadêmica, pra poesia egípcia.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Diferentemente da maioria dos colegas, só fui conhecer Roma mais de uma década depois de ter me dedicado ao latim e ao grego, e nunca fui à Grécia. Então o lugar que mais marcou minha relação com o mundo greco-romano foi, na verdade, a casa do Raimundo Carvalho, onde aprendi latim, e a cidade de Belo Horizonte, onde me aprofundei na língua, traduzi Propércio e aprendi grego. Fora isso, sinto que entendo parte do paganismo se estou na mata atlântica; nos riachos solitários, percebo os vínculos religiosos dos antigos.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Acho Cleópatra fascinante, talvez porque escapa a quase tudo que temos de clichê sobre o patriarcalismo antigo: era rainha, estrategista (em sentido lato), erudita, sedutora etc.; no entanto sabemos tão pouco, tão menos do que eu gostaria, sobre ela.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Chamaria Horácio, mas pra um vinho, e pra conversarmos sobre qualquer bobagem.

Entrevista com a professora Raquel dos Santos Funari

Nessa semana nossa entrevistada é Raquel dos Santos Funari, professora da rede particular em São Paulo e em estágio de pós-doutoramento no PPGHIS (Programa de Pós-graduação em História) da UFPR.

Professora Raquel dos Santos Funari. Foto: Acervo pessoal.

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Sempre me imaginava na Idade Média, mas o meu orientador André Chevitarese levou-me ao estudo da Antiguidade no ensino de História e nos usos que se tem feito do antigo. A egiptóloga Margaret Bakos, com a qual Chevitarese estudava a Egiptomania, acabou por levar-me a esmiuçar o Egito antigo no Ensino de História e na formação da cidadania, em geral.

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Adoro os livros do Christian Jacq, mas são diversão. Heródoto com seu livro segundo sobre o Egito é um encanto. Cada vez que leio, descubro novas informações. Jean Vercoutter (Em busca do Egito Esquecido), todas as obras da Margaret Bakos.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa?

Sempre estudo a antiguidade no ensino de História e no cotidiano das pessoas, na mídia, no cinema. Egito está sempre presente e isso merece uma reflexão. Agora, também me dedico ao tema da presença feminina na História Antiga, ou a ausência. Busco entender esse ocultamento da mulher e procuro estratégias de visibilização e empoderamento das mulheres, no presente.

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Desejo explorar e entender melhor esses como se pode tornar a mulher antiga mais aparente para os estudantes hoje. Isso é muito importante, pois só conhecendo melhor o passado podemos propor um futuro mais humano para todos, mulheres e homens.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

O Oriente Médio. As cidades antigas e modernas da Jordânia e Israel, com seu cruzamento de culturas e tradições, suas paisagens naturais e humanas, tudo nos inspira.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que?

Moisés é um deles, objeto do filme Príncipe do Egito, outra é Cleópatra, egípcia, grega, rainha, poderosa, inteligente.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam?

Cleópatra! Dei parecer para a tradução da obra Cleópatra e sua víbora (Companhia das Letras), da coleção Mortos de Fama, uma ótima coleção voltada para estudantes. Seria uma boa oportunidade de bater um papo com uma mulher tão original.

Entrevista com o professor Pedro Paulo Funari

Nós admiramos diversos pesquisadores do mundo clássico. Ainda que tenhamos proximidade com suas pesquisas nem sempre o texto acadêmico é capaz de nos aproximar da pessoa atrás dos títulos. Foi pensando nisso que criamos esta sessão na qual a cada 15 dias iremos apresentar uma breve entrevista com um estudioso do mundo clássico. A intenção não é reproduzir as informações do lattes, mas revelar quais influências e afetos guiaram estas pessoas até o mundo greco-romano.


Para a primeira entrevista do blog, o professor do Departamento de História da UNICAMP, Pedro Paulo Funari, contou pra gente um pouquinho sobre seus gostos e proximidades com o mundo antigo.

Professor Pedro Paulo Funari. Foto: Acervo Pessoal

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Foi circunstancial, ainda na graduação (1977-1981 USP). Interessava-me por muitos temas e períodos históricos, mas a oportunidade surgiu pela generosidade da Profa. Glória Alves Portal, que aceitou orientar-me. O tema foi-me por ela sugerido, a partir do que lhe fora dito pelo professor espanhol José María Blázquez: o estudo do azeite espanhol, em época romana. Graças a isso, pude aprender idiomas, estagiar na Europa e, depois, ter a oportunidade de diversificar ainda mais meus horizontes e áreas de atuação

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Cada um tem o seu lado bonito (ognuno ha il suo fascino, como se diz em italiano). Dentre os antigos, o Satiricon, de Petrônio, Antígona, de Sófocles, Os livros proféticos, da Bíblia Hebraica, os Atos dos Apóstolos. Dos modernos, Ernest Renan (Jesus), Léon Homo (Les institutions politiques romaines, de la cité à l’Etat), Moses Finley (A Política no Mundo Antigo), Paul Veyne (Quando nosso mundo se tornou cristão).

Quais são os seus temas atuais de pesquisa?

O mundo antigo fascina-me em muitos aspectos e temas, em particular relacionados à cultura, aos conflitos, às relações de gênero, à cultura material, à vida social. Assim, escrevo sobre a revolta judaica de Bar Kohba (135 d.C.), sobre Rostovtzeff e a historiografia, ou sobre a economia antiga, sempre agenciando os aspectos mencionados acima.   

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial

Vários temas, claro, quanto mais variados, melhor.  Dentre os temas novos para mim, estão as relações do Mediterrâneo com o mundo persa, da Ásia Central, da Índia e mesmo da China.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

A Espanha e a Grã-Bretanha, países nas quais vivi e pesquisei.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que?

Dentre tantos, um romano, Júlio César, e outro romano, mas também grego e judeu, Paulo de Tarso.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam?

Temo que estranhasse o café, melhor seria uma taça de vinho com Sulpicia Lepidina, mulher que vivia em Vindolanda, Bretanha Romana, no final do primeiro século d.C., para tratar de tudo (ser mulher, romana, viver na fronteira, entre outros assuntos).