Recepção na obra de Giorgio de Chirico – Coletânea de textos temáticos

Olá, pessoal!

Como havíamos anunciado na semana passada, preparamos um material para vocês com base nas pesquisas que nosso grupo de estudos desenvolveu durante o primeiro semestre de 2021. Neste primeiro volume da nossa coletânea temática, agrupamos os textos em que trabalhamos arte e vanguarda, centradas na obra do pintor italiano Giorgio de Chirico. Junto aos textos incluímos também dicas de leitura e imagens para que o conteúdo se torne mais interativo e didático.

Com essas coletâneas buscamos oferecer uma nova fonte de divulgação dos nossos estudos, que possa atingir novos públicos e ser utilizado para além de uma leitura informativa, bem como material de estudo. Esperamos que apreciem a leitura!
Para acessar o material: https://issuu.com/antigaeconexoes/docs/volume_i

A Antiguidade e a Solidão na obra de Giorgio De Chirico

Olá pessoal, esperamos que todos estejam bem!

A publicação de hoje é o último texto da série de postagens sobre Giorgio De Chirico.

Conforme lemos nas últimas semanas, o pintor italiano frequentemente representou os antigos greco-romanos em suas obras metafísicas e, como afirma Barbosa (2011, p. 95), é possível compreender que a estética greco-romana influencia o estado mítico e profético inerente à condição melancólica na obra de De Chirico. No caso, “a herança greco-romana funde-se com o contexto urbano-industrial e nessa composição o humano é, aparentemente, destituído de significado, ou levado a ser figura secundária, perante a arquitetura” (BARBOSA, 2011, p. 17).

À vista disso, no presente texto pretendemos analisar uma das oito pinturas de Ariadne produzidas pelo pintor.

Ariadne, Giorgio De Chirico – 1913. Fonte: MET Museum.

Ariadne, na mitologia grega, era filha do rei Minos de Creta e apaixonou-se por Teseu quando esse chegou a Creta para matar o Minotauro. Com o intuito de ajudar o herói ateniense a escapar do labirinto onde vivia o Minotauro, Ariadne deu para Teseu um pedaço de fio de seda, com a condição de que os dois se casassem e a princesa também fosse morar em Atenas. Entretanto, na viagem após a sua conquista, Teseu abandona Ariadne na ilha deserta de Naxos enquanto ela dormia, e prosseguiu sozinho sua viagem para Atenas. Conforme apresenta Kury (2009, p. 37), “Ao despertar, Ariadne viu a nau que levava seu amante desaparecer no horizonte e ficou desesperada, mas sua dor foi efêmera, pois no mesmo dia Dionísio chegou à ilha… O deus apaixonou-se pela moça, casou-se com ela e levou-a consigo para o Olimpo”.

Nessa obra de De Chirico podemos observar claramente a fusão entre a mitologia grega e o contexto urbano apresentado anteriormente. A estátua de Ariadne dormindo, não se encontra em uma ilha, mas sim em meio a uma praça vazia com uma construção com arcos à direita, enquanto no fundo observamos uma torre com bandeiras trêmulas, um trem e um barco.

No lugar de representar Ariadne como humana, De Chirico opta pela estátua, pois em suas pinturas metafísicas “Os únicos seres antropomórficos existentes, nesse mundo inconsciente, são manequins e estátuas” (BARBOSA, 2011, p. 100).

Os arcos podem ser entendidos como uma forma de “transmitir a harmonia e a proporcionalidade das construções gregas; a monumentalidade, a solidez do estilo romântico e o triunfo da civilização ocidental” (BARBOSA, 2011, p. 98). O vazio da praça pode ser entendido a partir do que Barbosa apresenta como “solidão dos signos”. No caso, “a vida da natureza morta, considerada não no sentido de um gênero pictórico, mas como o espectral, passível de ser aplicada em uma figura supostamente viva” (BARBOSA, 2011, p. 93).

Já o trem, é marcante nas obras do pintor e um importante elemento biográfico de sua vida. Seu pai era engenheiro, proprietário e presidente de uma empresa construtora de ferrovias em Volos, Grécia, o que o obrigou a realizar diversas viagens durante sua infância. Além disso, observamos a presença de um barco no fundo, o qual interpretamos como uma possível referência a nau de Teseu.

De Chirico pintou oito quadros de Ariadne e essa ação não é uma simples coincidência. Conforme descrito no site do MET Museum, Ariadne adquiriu grande significado simbólico pessoal para De Chirico depois que ele se mudou para Paris, em 1911, e passou por um período de isolamento e solidão. As pinturas podem ser entendidas como um retrato para suas memórias de infância na Grécia.

De Chirico “se considerava o ‘verdadeiro herdeiro’ da tradição greco-romana e o único capaz de empregar com maestria a perspectiva renascentista” (BARBOSA, 2011, p. 92). Os antigos, assim, são elementos fundamentais em suas pinturas metafísicas. Afinal, conforme discutimos em nosso primeiro texto, a incessante recuperação do passado realizada por De Chirico não foi em vão ou despropositada, nessa ação há a criação de algo novo por meio do estranhamento que as figuras deslocadas causam. Tal estranhamento levanta questionamentos por parte de quem as observa, devido a fuga da lógica e da disposição dos objetos, de maneira que os descontextualiza.

Referências

BARBOSA, Paulo Roberto Amaral. Melancolia e questões estéticas Giorgio De Chirico. 2011. Tese (Doutorado em Teoria, Ensino e Aprendizagem) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

KURY, Mário da Gama. Dicionário de Mitologia grega e romana. 8ª edição. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

MET Museum: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/486740

  • Barbara Fonseca

A Mitologia em Giorgio De Chirico

 “Édipo e a Esfinge”, pintura de Giorgio De Chirico.

Olá pessoal, esperamos que todos estejam bem!

O post de hoje traz o primeiro texto do eixo de Arte e Recepção. Semana passada apresentamos  Giorgio De Chirico, agora, será tratado um pouco sobre a presença da Mitologia em suas obras.

A arte é um tema difícil de se discutir, existem muitas teorias e debates que são próprios dos estudos de história da arte, mas nem por isso está longe de ser algo excludente. Todos temos algum contato com ela, mesmo não estando a par de todos os detalhes teóricos. Portanto falo do assunto do ponto de vista de uma estudante de história, que aprecia a arte, porém, não necessariamente tem um rico repertório teórico sobre o assunto. As obras de De Chirico me pareceram bem interessantes desde o primeiro momento em que tive contato, pois além de causarem impacto naqueles que as observam, também são ricas em elementos que remontam o mundo antigo. Saber que o artista foi um precursor do Surrealismo, movimento que sempre me fascinou, fez com que tivesse ainda mais curiosidade sobre suas obras. Felizmente tive a oportunidade de estudar um pouco mais sobre elas junto ao grupo de pesquisa Antiga e Conexões, e este texto é fruto de tais estudos, pretendo então tratar de como os mitos aparecem nas pinturas de De Chirico.

Para fazer isso escolhi a pintura “Édipo e a Esfinge”, onde vemos a figura de Édipo representada por um manequim sem rosto que se encontra com as mãos sobre a face vazia, com uma postura pensativa, provavelmente ponderando em busca de uma resposta ao enigma da esfinge. Além do mais, ele veste uma armadura ornamentada com os desenhos de uma cidade moderna, com prédios, mas no canto se vê em destaque um templo grego. A esfinge, por sua vez, encontra-se em cima de um bloco de concreto cinza, ela tem seu rosto desenhado, mostrando uma expressão calma como se esperasse a resposta para sua indagação. O cenário é preenchido com elementos que parecem ser colunas antigas retorcidas.

Esses elementos são recorrentes na pintura de De Chirico, as construções arquitetônicas, as figuras sem rostos, o jogo de luz e sombra dando o aspecto vazio à imagem, e os elementos que remontam à antiguidade. O autor busca com essa mescla dos elementos antigos e modernos deixar a temporalidade suspensa, diferente das vanguardas que estavam nascendo no mesmo período, tal como o Futurismo, que buscava demonstrar justamente a passagem do tempo acelerada e o movimento. De Chirico fez o contrário, inclusive, elaborou numerosas críticas a essa característica futurista. Às influências para suas obras partem da filosofia, principalmente de autores de Nietzsche e Schopenhauer. Em sua maioria, possuem um tom melancólico e formam cenários oníricos, o que influencia os surrealistas posteriormente.

O pintor viveu um período de muitas mudanças, presenciando o desenvolvimento de diversas tecnologias, a eclosão de duas guerras mundiais e junto a isso houve também as mudanças de cidade que ele teve junto a sua família. De certa forma entender o contexto em que ele se encontrava, é importante para compreender o que ele busca mostrar em suas composições.

Em suas obras podemos pensar a presença do elemento mítico, esses tratam da gênese de algo, nas metamorfose, por exemplo, Ovídio conta a história da criação do mundo até o seu tempo, explicando as origens das coisas e dos seres. A mitologia traz respostas para a condição humana. Adriana Monfardini coloca: “O mito narra um acontecimento; mas, além disso, o mito dá respostas a questões que a razão humana não pode compreender. Dessa forma, o mito tenta explicar o inexplicável.” Os mitos ecoam pela existência humana, sempre apresentando novas facetas, a própria narrativa de Édipo é um exemplo, afinal ela foi retratada diversas vezes, no cinema, na literatura e até mesmo na psicanálise.

A mitologia, nesse caso a grega e a romana, estão no ambiente que compõe o que chamamos de clássico. Italo Calvino define o clássico como “aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.” De certa forma é isso que De Chirico busca ao retomar os antigos. Ao dar as costas ao atual ele traz um novo olhar para o seu próprio tempo, causando a estranheza nos que observam suas obras, obrigando-os a refletirem sobre os objetos, os espaços, e a própria humanidade. 

BIBLIOGRAFIA CITADA

CALVINO, Ítalo. Por que ler os Clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

MONFARDINI, Adriana. O mito e a literatura. Terra Roxa e outras terras: revista de estudos literários, v. 5, p. 50-61, 2005.

  • Renata Cristina Oliveira

De Chirico: Recepção dos Antigos Gregos e Romanos na arte de vanguarda do século XX

Imagem de divulgação no Instagram

Olá, pessoal! Nós do Antiga e Conexões estamos trabalhando em uma série de textos temáticos para vocês e no post de hoje gostaríamos de apresentar o tema escolhido: A Recepção dos Clássicos nas vanguardas, mais especificamente, nas obras do pintor italiano Giorgio De Chirico.

De Chirico (1888 -1978), embora pouco conhecido e estudado por historiadores da arte, foi um dos precursores do Surrealismo, mas sua relevância não se reduz somente a isso. Nascido em Volos, na Grécia, filho de pais italianos, teve uma vida de diversas mudanças – as quais marcam suas obras – devido ao trabalho de seu pai como engenheiro de estradas de ferro. Essas viagens trouxeram ao pintor o extenso repertório dos artistas europeus, dentre esses os antigos, renascentistas e modernos, bem como a imoprtante influência do pintor suíço, que fez parte do movimento artístico simbolista, Arnold Böklin. Além disso, De Chirico contou com influências filosóficas, principalmente de Nietzsche e Schopenhauer. 

As obras de De Chirico se enquadram no que foi chamado de pintura metafísica. Esse movimento procurava se opor ao futurismo e suas motivações nacionalistas, também buscava estar fora da temporalidade e se opunha à transitoriedade. Para isso, o pintor se apoiou em elementos da antiguidade e sua mitologia, as quais se entrelaçam em suas pinturas com elementos arquitetônicos urbanos e modernos, criando, assim, uma noção de tempo fixo.

Mesmo influenciando as vanguardas do início do século XX, devido ao elemento onírico presente em suas obras, o próprio pintor se considerava anti-vanguarda. Enquanto o pintor metafísico buscava uma constante retomada do passado, diferiu-se de ideias vanguardistas, uma vez que estas buscavam o novo.  Para De Chirico, a retomada do passado manteria sua obra como constantemente atual. Afinal, conforme afirma Paulo Roberto Amaral Barbosa segundo o pensamento de De Chirico, “a força geradora de crítica ao sistema não está na disposição de uma leitura, mas na sua constante interpretação”. Por esse pensamento, o pintor italiano foi visto, de certa forma, como um reacionário,  pois buscava retomar o período clássico e renascentista em sua pintura.

A incessante recuperação do passado realizada por De Chirico não foi em vão ou despropositada, nessa ação há a criação de algo novo por meio do estranhamento que as figuras deslocadas causam. Tal estranhamento levanta  questionamentos por parte de quem as observa, devido a fuga da lógica e da disposição dos objetos, de maneira que os descontextualiza. Alguns temas recorrentes que aparecem em suas obras, além dos clássicos e da mitologia, são os espaços vazios, componentes arquitetônicos e personagens sem rostos, além da maneira como ele se utiliza da perspectiva para reforçar esse estranhamento. Tais elementos geram o sentimento de ausência e dão o tom melancólico à suas pinturas.

Ao observarmos a produção de De Chirico, interessa-nos perceber como ele trouxe novos elementos a partir do passado antigo, ou seja, como a recepção do passado se fez presente em diversos contextos, possibilitando a produção de novas ideias. O passado não se encontra engessado, mas sim fluido e aberto, permitindo novos olhares para aquilo que por vezes parece distante. A partir de sua obra, trabalharemos em uma série de três textos as temáticas da ruína e da melancolia como resistência ao progresso. Esperamos, assim, investigar como os Antigos também podem ser pensados como forma de subversão ao conservador e como uma ruptura para com determinados esteticismos vigentes.

Referências:

BARBOSA, Paulo Roberto Amaral. Melancolia e Questões Estéticas: Giorgio De Chirico. 179 f. Tese (Doutorado em Artes Visuais) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA-USP, São Paulo, 2011.