A Religiosidade na Antiguidade Grega

Templo de Atena Polias em Atenas na Grécia (Foto: Camilla Miranda Martins)

A religião grega antiga não conhecia nenhum tipo de revelação, não possuía dogmas ou livros sagrados, muito menos messias. Por não ter um caráter dogmático acabava inferindo em uma série de particularismos e, portanto, não podemos falar em uma religião grega, mas em cultos gregos, no plural. Contudo, existia uma cultura e uma língua gregas que delimitavam local e temporalmente a noção do que se entende por religiosidade ou politeísmo grego comuns. E isso era expresso na tradição das narrativas (mytois) feitas para conservar e transmitir os saberes convencionais.

De acordo com Pedro Paulo Funari, grande parte da religiosidade grega conhecida foi a desenvolvida na polis e nos jogos olímpicos, a partir de 776 a.C., os quais marcaram presença como base cultural dos helenos.[1] Acerca dessa religião cívica, Vernant nos explica que até o período arcaico a esfera do sagrado, no que diz respeito ao seu espaço físico na vida das pessoas, encontrava-se em ambientes privados como os altares domésticos. Contudo, com o desenvolvimento das cidades edificou-se o templo, onde o deus residia por meio de sua estátua – o templo era (diferentemente dos altares domésticos) público e comum a todos os cidadãos.[2]

Com isso cada cidade teria passado a ter sua tradição religiosa e o gênero literário teria se tornado autônomo, promovendo uma literatura épica a qual recolhia na escrita o que era transmitido pela tradição. Vale ressaltar que a literatura no período Clássico, séculos VI a IV a.C., não era feita para ser lida desacompanhada, propiciando as narrativas um caráter estético, político e social, aproximando os vínculos entre religião e polis.[3]

O culto aos heróis também era uma característica da religião cívica, pois estava associado a um lugar preciso como um túmulo com o corpo do herói (acreditava-se que o corpo estava ali; às vezes mantinha-se o lugar em sigilo porque de seu resguardo dependia a integridade da polis, e outras vezes estavam no centro da cidade para lembrar seu lendário fundador). O prestígio dessa figura era sinal de honra; os heróis representavam símbolos de glória e serviam como modelos de virtude para os cidadãos. Eles eram semideuses, muitas vezes filhos de um deus com um humano, eram homens que nasceram e morreram, tinham qualidades como força e beleza maiores que o comum e viveram em uma Era já extinta – não existiam e nem existiriam mais, mas permaneciam vivos na memória dos gregos.

Concluindo, tal aproximação do religioso com o social, entende Vernant, possuía duas consequências: a primeira é que o indivíduo não tinha posição central no culto, participava dele como representante do seu estatuto social – phrátriai da qual era membro; a segunda é que tal relação religioso-social acabava por aproximar também religioso e político, pois as atividades da ágora (assembleia) organizavam-se de acordo com as festas em honra aos deuses.

  • Camilla Miranda Martins


Referências:

[1] FUNARI, P.P.A. Gregos. In: (org.). As Religiões que o mundo esqueceu. São Paulo: Editora Contexto, 2009, p. 41-51.

[2] VERNANT, J. Mito e Religião na Grécia Antiga. Campinas SP: Papirus, 1992, p. 40.

[3] VERNANT, J. Fronteiras do Mito. In: FUNARI, Pedro. Repensando o Mundo Antigo: Jean Pierre Vernant e Richard Hingle, Campinas/SP: IFCH/UNICAMP, 2002, pp. 13-14.