O RARO DO RELES: UM LATIM DE BANDIDO

Paulo Leminski - poemas - Revista Prosa Verso e Arte
Paulo Leminski. Imagem: Revista Verso, Prosa e arte. Reprodução Livre.

O post de hoje é uma dica de leitura do capitulo de autoria de Guilherme Gontijo Flores, professor do departamento de Letras Clássicas da UFPR, parte do livro: A Pau a Pedra a Fogo a Pique: Dez estudos sobre a obra de Paulo Leminski, organizada por Marcelo Sandman. Na primeira parte do texto é apresentado a relação de Leminski com o latim, e como se deu a utilização da língua em sua obra, o autor aponta que o poeta tinha pavor da poesia provinciana, e da pedância erudita ao utilizar outros idiomas, principalmente o latim, e diferindo disso Leminski traz uma contra pedância. Ele não abandona a bagagem erudita, mas a tira da torre de marfim, colocando-a em contato com o mundo, expandindo as possibilidades de diálogo, afastando então, o idioma da cultura erudita e o aproximando da contracultura. Flores enfatiza a utilização de um jogo etimológico, onde o poeta não traz a etimologia por si só, mas também através da aproximação de palavras com sonoridades parecidas, busca recuperar uma origem em comum de termos semelhantes, ou estabelecer sentidos fictícios que favoreçam o intento da poesia, possibilitando diversas camadas de leitura, e ampliando então o sentido do poema.

O tópico seguinte se trata a respeito das traduções realizadas por Leminski, de início é exposto a visão do poeta sobre o oficio de traduzir, ao analisar um trecho do poema “Ler Pelo Não”, o autor enfatiza que para o poeta o erro passa a ser uma possibilidade para a criação de algo novo, e enfoca na relação deste com o trabalho de Haroldo de Campos, para o qual a tradução não deveria somente transmitir a mensagem, mas também trazer algo próprio, a tradução seria uma criação, um diálogo entre autor e tradutor. Flores discorre, por conseguinte, sobre a tradução do Satyricon feita por Leminski, apontando que este ao traduzir a obra, buscava lhe dar uma nova vida, mostrando os complexos componentes humanos que fazem parte da cidade; ao comentar a tradução de Leminski, Flores aponta que este deixa passar algumas coisas, e que o principal seria as alterações modernas que livro sofreu. Ele caracteriza a tradução de Leminski como um Satyricon apropriado pela poética marginal, feito neste caso com bastante rigor, destacando que o poeta utiliza da mistura de termos eruditos e da linguagem popular para compor as suas traduções, e por fim salienta que a tradução de Leminski abre espaço para novas possibilidades de leitura para a obra.

No tópico final é exposto e comentado mais alguns dos trabalhos tradutórios de Leminski, como a sua releitura das Metamorfoses de Ovídio, onde o poeta entrelaça e modifica os mitos originais de maneira livre, e traz em seu texto algumas traduções excelentes de trechos do original. É evidenciado também uma tradução dispersa de Horácio, que traz o estilo tradutório utilizado no Satyricon, no qual o poeta traz uma poética contemporânea com traços do movimento concretista na maneira de organizar a composição, revitalizando então a obra de Horácio de uma maneira menos “Clássica” e sim mais coloquial, que incorpora elementos da poética de sua geração. Concluindo o texto o autor assinala que o poeta embora mantenha a solidez do trabalho filológico, este consegue fazer isso de maneira a qual o texto possa ser acessível ao leitor, e que possa adentrar na poética contracultural e tropical.

Referências
SANDAMANN, Marcelo (org.). A pau a pedra a fogo a pique: Dez estudos sobre a obra
de Paulo Leminski. Curitiba, Secretaria de estado da Cultura, 2010. p. 103 – 139.

  • Renata Cristina de Oliveira

Entrevista com Guilherme Gontijo Flores

Nessa semana nosso entrevistado é Guilherme Gontijo Flores, poeta, tradutor e professor de Língua e Literatura Latina na Universidade Federal do Paraná desde 2008.

Guilherme Gontijo Flores (foto: Rafael Dabul)


Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Eu decidi duas vezes: na primeira, quando li no original latino meu primeiro poema de Catulo, ainda no primeiro ano do curso de Letras Português da UFES; senti ali que eu tinha de aprender latim além dos dois semestres obrigatórios; graças à abertura e à amizade do professor Raimundo Carvalho, eu pude realizar esse desejo e ainda conhecer com ele o ofício da tradução poética. A decisão mesmo veio no fim da graduação, quando fui fazer o mestrado dedicado à tradução das Elegias de Propércio, ali eu sabia que estava fazendo uma escolha, deixando de lado a literatura brasileira que dominou minha graduação. 

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Essa pergunta é difícil pra mim, que não sou de fazer listas, ou organizar os afetos, muito menos os literários. Mas não consigo me imaginar sem Homero, Safo, Arquíloco,  Calímaco, Catulo, Horácio, Virgílio Propércio e Ovídio. Um livro moderno sobre os antigos que abriu a minha cabeça foi Tradition and originality in Greek and Roman Poetry, do Gordon Williams; além do Poetry as performance: Homer and beyond, do Gregory Nagy. Mas talvez o que mais me mova hoje sejam as abordagens atípicas da Anne Carson.

Quais são os seus temas atuais de pesquisa? 

Trabalho sistematicamente com tradução poética desde que me volteis pro mundo de clássicas; vejo-me muito especificamente como estudioso de poéticas. Com o tempo, passei a me pensar a questão da performance, do mundo grego arcaico ao mundo romano em geral. Na última década venho fazendo uma tradução integral de Horácio, emulando ritmos da poesia greco-romana e fazendo performances cantadas e recitadas, ora sozinho em aulas e palestras, ora com a Pecora Loca, grupo dedicado a poesia e(m) tradução. 

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial?

Quero traduzir todos os fragmentos de Arquíloco, porque tenho me fascinado nos últimos anos com o mundo arcaico. Também gostaria de poder me deter um pouco mais na poesia homérica. Seja como for, os vínculos entre poesia, performance e tradução ainda devem me guiar por um bom tempo, pois sinto que estou longe de me estabilizar no assunto. Também tenho me voltado, porém de forma menos acadêmica, pra poesia egípcia.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

Diferentemente da maioria dos colegas, só fui conhecer Roma mais de uma década depois de ter me dedicado ao latim e ao grego, e nunca fui à Grécia. Então o lugar que mais marcou minha relação com o mundo greco-romano foi, na verdade, a casa do Raimundo Carvalho, onde aprendi latim, e a cidade de Belo Horizonte, onde me aprofundei na língua, traduzi Propércio e aprendi grego. Fora isso, sinto que entendo parte do paganismo se estou na mata atlântica; nos riachos solitários, percebo os vínculos religiosos dos antigos.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que? 

Acho Cleópatra fascinante, talvez porque escapa a quase tudo que temos de clichê sobre o patriarcalismo antigo: era rainha, estrategista (em sentido lato), erudita, sedutora etc.; no entanto sabemos tão pouco, tão menos do que eu gostaria, sobre ela.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam? 

Chamaria Horácio, mas pra um vinho, e pra conversarmos sobre qualquer bobagem.