
Cerca de 1,3 milhão de mulheres são agredidas no Brasil por ano, de acordo com dados do suplemento de vitimização da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas pra os Direitos Humanos (ACNUDH), o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio.
Esses dados alarmantes indicam uma problemática nas relações de poder, em que as mulheres são consideradas como inferiores e, por isso, descartáveis. Os homens, por sua vez, são o símbolo dessa violência. Muitas das vítimas de feminicídio já recebiam ameaças ou eram constantemente agredidas por seus companheiros e a maioria dos crimes desse gênero foi cometida por namorados e maridos das vítimas.
Essa problemática é resultado de uma construção cultural que afirma que os homens devem ser violentos, fortes, não podem chorar ou demonstrar emoções. Porém, essa não é a totalidade da possibilidade do que é ser homem, e sim uma produção discursiva. Outras possibilidades podem existir.
Na virada do século XIX para o século XX, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em suas revistas de publicação semestral, construíam aspectos da masculinidade: o membro do Instituto e orador Barão Homem de Mello, afirma que:
“e a verdade transparece á sombra de mais de um conceito dos grandes espíritos da Grecia: o homem nasceu para a sociedad, o destino da humanidade é para um império único, nao há nada mais horrendo do que a injustiça armada e, disse Aristoteles, que é isto senão a paz internacional, pela organização do império humano? […] Platao e Aristoteles combatem, enfim, a disciplina de Lycurgo, porque se basea, sobre o principio exclusivo da educação para guerra. A bravura militar nao é a primeira virtude do cidadão; a guerra, de cidade contra cidade conduz á guerra de aldeia contra aldeia e á guerra de família contra família; á guerra, enfim, dentro do próprio coração do homem. […]” [1]
A guerra, então, é algo necessário para acabar com a chance da barbárie destruir a civilização. Porém a guerra injusta não é algo a ser valorizado, como vemos em Mello. A masculinidade a ser criada, a ideia de cidadania a ser criada, não deve ser permeada de violências sem justificativa, de uma exibição da força pela força. A identidade do brasileiro, assim como a grega, deve ser voltada para a sociedade, para a paz.
Dessa forma, vemos uma contraposição desse discurso que critica a violência pela violência em relação com a ideia de um homem raivoso e assassino. Com isso, visamos afirmar que as maneiras e as relações que existem entre o feminino e o masculino são construídas. Ao criar-se a ideia de que o homem deve ser viril, não pode chorar, não pode demonstrar afeto, criamos uma sociedade mais violenta. Outras propostas de construções de masculinidade apareceram, e por isso não precisamos aceitar a de nossa atualidade como a verdade imutável. Ao entendermos a masculinidade como algo construído e histórico, podemos questionar a nossa atualidade e apresentar a possibilidade de transformação para outras formas de ver a masculinidade.
[1] Revista do IHGB, número 74, publicada em 1911, página 552.
- Mariana Fujikawa