A Recepção da Antiguidade no Cinema

Foto preta e branca de trem nos trilhos ao lado de fumaça

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

Cena do filme La Caduta di Troia, de Patrone e Borgnetto (1911)

Olá, pessoal! Com o fim dos textos temáticos centrados na Recepção dos Clássicos pelas vanguardas, estamos agora preparando mais publicações, com um novo tema! A partir de hoje, nossos textos terão como assuntos centrais a Recepção dos Clássicos no cinema, contemplando as produções cinematográficas italianas e hollywoodianas, do Cinema Mudo e do Cinema Épico. 

O cinema, tido hoje como a sétima arte, também já foi considerado a Décima Musa, atribuição especialmente vinculada a seu momento de criação, o século XIX. Nesse período, o cinema se formou, essencialmente, a partir da articulação com diversas expressões artísticas, tornando-se, assim, um reflexo da dinamicidade das interações que estabelecia com essas outras produções. Além disso, foram primordiais as contribuições das novas propostas tecnológicas para a construção de tal identidade do cinema, um fator ainda determinante nas produções cinematográficas da atualidade. Desse modo, quando compostos sobre temas históricos, os filmes são constituídos, conforme relatam Michelakis e Wyke (2013), enquanto uma expressão propositalmente montada sobre o passado, impulsionando a criação de uma percepção mais vívida sobre a presença dos antigos em suas cenas. Por essa forma, o cinema combina, intrinsicamente as obras históricas, as temporalidades passada e presente, tendo como suporte uma experiência visual complexa. Nesta, são passíveis de serem percebidas, então, a contestação ou reprodução dos ideais de época, sejam estéticos, nacionalistas ou de valores sociais, contribuindo, por conseguinte, para a formação ou reformulação de um sentimento próprio de identidade. Nesse âmbito, os filmes se transformam, pois, em construtores e transmissores de uma “consciência histórica moderna” (WYKE, 1997), se estruturando enquanto meios particulares de releituras do passado. 

Neste ponto, vale abrir um espaço para considerar que tal perspectiva historiográfica sobre o cinema se consolidou nas teorias mais recentes. Isso pois, ao decorrer das transformações das percepções historiográficas sobre o uso de documentos históricos, acentuadamente pela extensão de sua definição a todo vestígio humano, o cinema, visto em um primeiro momento como representação fidedigna de seu contexto de produção, passou a ser encarado enquanto um discurso, seja ele do momento de sua criação, seja da época que retrata.  

Tendo em vista essas considerações sobre as relações entre passado e cinema, voltaremos nosso olhar, então, a dois momentos particulares de produção cinematográfica. Inicialmente, ao tratar do Cinema Mudo, teremos como ponto de partida aqueles filmes criados pela indústria italiana. Ressalta-se, portanto, o grande investimento destinado às suas companhias aos primórdios do século XX, elaborando uma aproximação particular entre o passado romano e o presente da Itália, e superando as apresentações teatrais por seus exímios mecanismos cinematográficos. Passando, então, ao Cinema Épico, dispensaremos uma especial atenção às produções de Hollywood, segundo o famoso “tradicional hollywoodiano”, marcado pela publicidade e pela extravagância – a qual se fazia cada vez mais exacerbada após o advento das produções televisivas, iniciadas à década de 1950. 

Assim, nota-se como as tecnologias e a Antiguidade são combinadas de modo a configurar, no cinema, uma consciência específica sobre o passado greco-romano, o vinculando, das mais diversas maneiras, à sua contemporaneidade. Por esse modo, veremos como os filmes, em suas relações com outros documentos, históricos ou artísticos, formam uma noção própria sobre o mundo antigo, e, também, como associam, seja pela perpetuação ou pela quebra, os valores da atualidade e as representações da Antiguidade. 

Por fim, comunicamos que, ainda esse mês, estaremos organizando mais uma live para o nosso canal do Youtube, dando continuidade a esse eixo temático de Recepção e Cinema. Então fiquem ligados nas nossas redes sociais, que lá vamos divulgar mais informações sobre o evento!

Bibliografia consultada:

MICHELAKIS, P.; WYKE, M. Introduction: silent cinema, Antiquity and ‘the exhaustless urn of time’. In: ______. The Ancient World in Silent Cinema. Nova York: Cambridge University Press, 2013. p. 1-24.WYKE, M. Projecting the past: Ancient Rome, Cinema and History. Nova York/Londres: Routledge, 1997.

WYKE, M. Projecting the past: Ancient Rome, Cinema and History. Nova York/Londres: Routledge, 1997.

  • Heloisa Motelewski

Qual César nós (re)conhecemos?

Maria Wyke – Caesar: A life in Western Culture
(Granta Books, 2007)

Os trabalhos da professora Maria Wyke são conhecidos pela forma criteriosa como ela estabelece as conexões entre o mundo Romano e a contemporaneidade. Desde “Projecting the past: Ancient Rome, Cinema and History” (Routledge, 1997) suas obras têm se destacado na área de estudos de recepção do passado clássico, em especial, a análise das representações cinematográficas. Em “Caesar: a life in western culture”, a professora da University College of London vai além e expõe como, ao longo dos séculos, a imagem de César tornou-se o epicentro de uma série de apropriações históricas, fomentando as mais variadas releituras deste personagem por parte da cultura ocidental.

Ao longo da obra, dividida em nove capítulos (cada um relacionado a uma característica atribuída a um período marcante da vida do general romano), Wyke se propõe a responder quais fatores levaram César a se tornar o mais famoso dos romanos. A autora aponta como, embora a sua biografia e morte trágica tenham colaborado para que sua figura se cristalizasse em um personagem a ser rememorado, o próprio César teve um papel essencial na construção dessa imagem ainda em vida, imagem da qual ele era extremamente zeloso.

Assim, por meio de extensa pesquisa, Wyke nos conta como o general romano teve sua vida recriada em diferentes momentos históricos, formando um caleidoscópio de imagens nem sempre convergentes: inspiração dramática para as obras de Shakespeare, líder submetido pelo desejo por Cleópatra, militar cruel ou vítima de uma terrível conspiração. Destacando como a biografia do líder romano é marcada por intensa polarização, a autora demonstra como esta foi utilizada ora como modelo de conduta (em especial no que se refere às vitórias militares), ora como exemplo a não ser seguido (considerando a sua tumultuada vida pessoal), e, por muitas vezes, base para a criação de narrativas ficcionais na literatura, cinema e arte, as quais passam a fazer parte da tradição clássica e marcar a forma como nos relacionamos e reconhecemos o mundo antigo.

  • Lorena Pantaleão