O livro “Os antigos gregos no acervo do Museu Paranaense: Recepção dos clássicos, poesia simbolista e política”, da professora Dra. Renata Senna Garraffoni, integra a coleção “Histórias do Paraná” que em sua essência visa promover a diversidade de temas, personagens e narrativas que destoam de propensões voltadas a uma história hegemônica do Estado.
Voltado ao debate sobre a releitura greco-romana no Paraná na virada do séc. XIX e nas primeiras décadas do XX pelos poetas simbolistas, o livro apresenta ao leitor os primeiros passos de uma pesquisa em constante transformação. Para tanto, Garraffoni retoma ao simbolismo francês que possui na recepção greco-romana importantes releituras políticas e estéticas, debates que chegam ao Brasil e ecoam fortemente entre as elites literárias curitibanas.
Muitos desses jovens simbolistas, em suma Republicanos, encontraram nos franceses e na retomada dos símbolos greco-romanos armas legitimadoras frente aos embates políticos da recente república brasileira. Esse resgate no Paraná, teve no poeta Dario Vellozo, seu principal porta voz, professor do Colégio Estadual, o simbolista caracterizou-se como uma das principais fases do movimento, ao lado de Emiliano Pernetta, coroado em 1911 “Príncipe dos poetas” durante a festa pagã da Primavera promovida por Vellozo.
Longe de apontar respostas o livro abre caminho para pesquisas posteriores, apresentando ao leitor as constantes tensões temporais presentes nesse resgate dos clássicos e seu papel perante a política, literatura, construções de identidade e projetos de poder na virada do séc. XIX e nas primeiras décadas do XX. Disponível online no site do museu Paranaense, o livro traz, por fim, um catálogo com como amostragens do acervo do Museu Paranaense e do Instituto Neo-Pitagórico, que segundo a professora, são recortes de permitem ao leitor perceber a diversidade da produção literária, contando com fotos, moedas e a própria coroa de louros de Emiliano Pernetta.
GARRAFFONI, Renata Senna. Os antigos gregos no acervo do Museu Paranaense: Recepção dos clássicos, poesia simbolista e política. Curitiba: Samp, 2018.
La peste à Rome (1869) – Jules-Elie Dalaunay. Imagem retirada do site Stair Sainty Gallery.
Segundo a OMS, epidemia é definida pela “propagação de uma nova doença em um grande número de indivíduos sem imunização para tal”, o termo, um dos mais antigos da medicina, elucida um dos maiores agentes de transformação e vulnerabilidade de toda história humana. Nesse sentido, o foco do post dessa semana será dado pelas epidemias registradas na antiguidade Greco-romana, denominadas pelas fontes latinas como “Pestes”. Essas novas doenças assolaram Atenas entre os anos de 430 – 427 a.C e o grande Império Romano entre os anos 165 até 205 d.C.
Cabe salientar que somente no século XVIII as “epidemias” passam a ser tratadas como problemas de saúde pública e baseadas em estatísticas (Martelli. 1997, p. 2). Portanto ao analisa-las na antiguidade, recorro ao termo em seu sentido clássico, tendo como base doenças com grande número de infectados e mortos.
Tucídides nasceu em Atenas por volta de 465 a.C, e descreveu a Peste de Atenas no ano 428 a. C em seus escritos sobre a Guerra do Peloponeso. Segundo o historiador, a doença com origem na Etiópia chegou à Ática por meio de barcos de carga e de guerra, provocando dois grandes surtos entre os anos de 430 a.C e 427 a.C.
As muralhas de Atenas de grande eficácia para a proteção militar da cidade, foram inúteis ante a alta propagação da Peste em seu interior. Afinal, para Tucídides a aglomeração de pessoas na cidade, que crescia devido a busca de refúgio por causa da guerra, tornou-se uma das possíveis causas para a propagação da doença, transmitida por meio de alimentos contaminados ou pela água.
Os santuários e preces aos oráculos logo foram descartados como medidas contra a praga. Lotados por cadáveres, os templos refletiam o desespero de um povo que não sabia onde sepultar seus mortos, rompendo com todas as leis sagradas e profanas. O estado de descrença permeou ricos e pobres que diante da efemeridade da vida resolviam gozar o mais rápido possível de todos os prazeres terrenos, já não havia temor ante as leis dos homens ou dos deuses. Incapazes de enfrentar a doença desconhecida, até mesmo os médicos se renderam diante do inimigo invisível. Devido a maior exposição à doença, havia um alto número de mortalidade entre eles.
A partir da análise de restos mortais encontrados em vítimas da doença, o Infectologista grego Manolis Papagrigorakis da Universidade Atenas aponta o micro-organismo Salmonella typhi, responsável pela febre tifoide, como o causador da Praga ou Peste de Atenas.
Entre os inúmeros relatos de Tucídides, que sobreviveu a doença, somos apresentados a um cenário de pouca ou quase nem uma atenção aos enfermos, restando aos mesmos esperarem pela morte ou pela imunidade de forma aleatória. Dessa maneira, a enfermidade levou a morte um terço dos atenienses, inclusive de Péricles, um dos mais celebres lideres atenienses. E, por fim, à derrota na guerra.
Ainda no mundo antigo, agora no Império Romano no ano de 165 d.C., Galeno, renomado médico do exército do Imperador Marco Aurélio, descreveu o que conhecemos hoje como “Peste de Antonina”. A doença acometeu o vasto Império em sua época de ouro, chegando a cerca de 50 milhões de pessoas em todo território romano, com mortalidade de 7 a 10%, a doença alcançou níveis jamais visto até então na história do Ocidente. A doença encerrou a época de ouro do império Romano e levou a morte de milhares de pessoas, entre elas o Imperador Marcos Aurélio.
Entre diversas versões quanto a origem da peste, as mais difundidas foram a profanação do templo de Apolo, no Iraque, por um soldado que deixa escapar uma nevoa pestilenta ao abrir um baú sagrado; e a origem no Egito, tida a partir dos fragmentos de Calpurniano Crepereyo – obra perdida quase em sua totalidade. Contudo se é entendido hoje que as redes de conexões terrestres e marítimas, o comércio e a volta dos soldados romanos em campanha pelo Oriente, foram, na verdade, os principais agentes de propagação por todo o território do Império.
Da mesma maneira que em Atenas, as preces aos deuses foram feitas como recursos desesperados frente a grande calamidade que caia sobre o povo, sem qualquer separação social, ricos e pobres novamente vislumbravam o mesmo destino ante a doença. Contudo diferente da cidade grega, as leias de sepultamento tornaram-se mais rígidas, sujeitando a multa aqueles que ao sepultar seus mortos não o fizessem com devido cuidado e no lugar apropriado. Os corpos, vistos como meios de contagio, deveriam ser transportados até os locais sem passar pelo meio da cidade como forma de proteção. Quanto aos mais pobres, os funerais eram organizados pelo império.
Em meio a um cenário caótico, muitas questões econômicas foram paralisadas e muitos acordos foram feitos com alguns inimigos de Roma. Entretanto, ao perceber o agravamento da epidemia, Marcos Aurélio restabeleceu os cultos aos deuses e reforçou o exército, enormemente desfalcado, com escravos, mercenários e gladiadores. Além disso, houve também o pagamento de tropas auxiliares Germanas, para lutar contra os próprios Germanos e marcomanos.
Segundo especialistas, Roma estava diante de um primeiro tipo de Varíola. Entre as consequências dessa conjuntura, há o aparecimento de charlatões, com curas milagrosas para a epidemia. Entre eles está Alexandre de Abonotico, que segundo Luciano de Samosata:
“Alexandre […] Enviou um certo oráculo, também este autófono, para todos os povos atingidos pela peste. Era apenas um verso: Febo de longa cabeleira a nuvem da peste aparta. Esse verso podia ser visto por todos os lados, escrito sobre os portões, como um antídoto contra a peste. Mas produzia o efeito contrário para a maioria, já que, por um certo acaso, logo as casas nas quais o verso fora inscrito se esvaziaram […] A maioria das pessoas que confiavam no verso logo se descuidou e passou a viver bem despreocupadamente, não fazendo nada do que o oráculo mandava contra a doença…”.
Para pensarmos em epidemias na antiguidade em tempo de covid-19, como amparo reflexivo, recorro aos argumentos de Martelli:
“A explicação mítica parece ser o elo invisível entre as velhas e novas epidemias, como parte do inconsciente coletivo desde os tempos imemoriais, como nos revelam os historiadores das velhas epidemias. A história das epidemias pode nos ajudar a refletir sobre o passado e o presente, embora a predição do futuro pareça um ideal distante pela complexidade das relações ecológicas como potenciais indutoras de novas doenças infecciosas e pelo imponderável das alterações da cultura humana.”. (MARTELLI, 1997, p. 7)
Diferente dos povos da antiguidade e muitos outros assoladas por doenças desconhecidas, atualmente devido os avanços da ciência conhecemos o inimigo que nos aflige e suas formas de transmissão. Contudo, até o presente momento, segundo a OMS, não existem tratamentos específicos para a Covid-19 causada pelo Corona vírus. Assim, a nós que compartilhamos a vulnerabilidade humana frente a doenças, resta-nos fugir do exemplo Romano buscando informações em fontes confiáveis, e se possível, ficando em casa. Por fim lembramos como forma de alento, que a Varíola, responsável por milhões de mortos no Império Romano, foi considerada erradicada pela OMS em 1980.
BIBLIOGRAFIA
ANTIQUEIRA, Moisés. Era uma vez a crise do Império no século III: Percursos de um recente itinerário historiográfico. Unioeste: Revista Diálogos Mediterrâneos, 2015. CAPITOLINO, Júlio. A Vida de Marco Aurélio, o filósofo. Trad: TEIXEIRA, Claúdia A. História Augusta Vol I. Coimbra: Coleção Autores Gregos e Latinos, 2011. CRAVIOTO, Enrique Gozalbes. GARCÍA, Inmaculada García.La primera peste de los antoninos (165-170) Uma epidemia em la Roma Imperial. Asclepio: Revista de História de La Medicina y de la ciência, 2007. Enero-junio 7-22. Disponível em: <https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/ibc-63153>. Acesso em: 17 abr. 2020. MARTELLI, C.M.T. Dimensão histórica das epidemias. Revista de Patologia Tropical – Jornal of Tropical Pathologu. 26(1). Disponível em: <https://doi.org/10.5216/rpt.v26i1.17366>. Acesso em: 17 abr. 2020. SAEZ, Andrés. La peste Antonina: uma peste global em el siglo II d.C. Santiago: Revista Chilena Infectol, 2016. Disponível em: <https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0716-10182016000200011>. Acesso em: 17 abr. 2020. SAMÓSATA, Luciano de. Alexandre ou o falso profeta. Trad: BRETAS, Daniel Gomes. Belo Horizonte: Phaos. 2002, p 35-57 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Trad: KURY, Mário da Gama. 4 edição. Brasilia: Editora Universidade de Brasilia, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001.
Em março de 2018, o Museu Oscar Niemeyer recebeu uma vasta coleção do diplomata e colecionador brasileiro, Fausto Godoy, com curadoria de Teixeira Coelho. A exposição “Ásia, a terra, os homens e os deuses”, apresenta ao público 200 peças vindas de diversos países como Japão, índia, China, Butão, Irã, Afeganistão, Myanmar e China.
Diante dessas obras, algumas chamaram-me atenção, em especial um sofá-cama do séc. XIX, oriundo do Vale do Swat, no Paquistão. Disposto no meio da sala expositiva o móvel testemunha a história desse lugar e guarda em si as influências helênicas, levadas pelas tropas de Alexandre, o Grande em 327 a.C durante sua extensa expansão militar e cultural.
O sofá, feito de Madeira Sheesham e couro, rememora em seus entalhes as folhas da ordem coríntia, que prevaleceu na Grécia em meados do século V a. C.
Em frente ao mobiliário, na parede encontram-se duas folhas da porta de um templo aminista do século XIX- XX, também de Madeira Sheesham, da região de Kalach, Paquistão, e reforçam a memória e o sincretismo cultural preservados na região da cordilheira do Hindu Kush. Nas folhas, a figura de um carneiro esculpida rememora à lenda de Alexandre, em sua visita ao templo de Amon, no Egito, onde foi consagrado pelos sacerdotes como encarnação do deus Amon, representado pelos chifres de carneiro.
A exposição conta também com uma estátua de terracota da “Deusa-mãe com coroa de louros” da antiga região de Gandhara, no Paquistão do séc I – II d. C, além disso a mostra abarca 5.000 anos de arte asiática, que revelam durante todo seu percurso as influências de cada civilização durantes séculos. Exibida na sala 5 do museu Oscar Niemeyer, “Ásia, a terra, os homens e os deuses” faz parte do acervo do museu e agrega sua programação por tempo indefinido. Vale sempre a pena uma visita, lembrando que nas quartas o ingresso é gratuito.
Referências MOSSÉ, Claude. As grandes etapas do mundo. In: Alexandre O grande. Tradução: SKINNER, Anamaria. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
Museu Oscar Niemeyer. Ásia: a terra, os homens, os deuses. Curadoria e textos de José Teiceira Coelho e Fausto Godoy. Curitiba: MON; Foz do Iguaçu: Itaipu, 2018