O ensino online do mundo antigo

Oi gente!
Com aproximadamente um mês sem aulas presenciais, nós e nossos colegas de profissão nos deparamos com diversas dificuldades relacionadas a educação à distância.  Diante disso, no post de hoje sugerimos alguns vídeos que podem auxiliar o aprendizado da História antiga de maneira didática e até mesmo descontraída.

Esperamos que todos estejam bem.

Cena do vídeo “A day in the life of an ancient Athenian – Robert Garland” do canal TED ed. Imagem: divulgação.


TED ed

Como primeira indicação apresentamos aqui os vídeos criados pelo TED ed, canal criado pelo mesmo grupo produtor do TED talks, o qual possui o intuito de disseminar ideias e conhecimentos por meio de conferências de especialistas. A principal diferença do TED ed para o TED talks, é o foco educacional recebido, sendo o TED ed pensado de maneira didática para os estudantes em nível escolar e são realizados em forma de animação em curta duração (cerca de 3 a 6 minutos cada). Entretanto, não por isso são criados por qualquer pessoa. Os responsáveis pelo conteúdo apresentado nos vídeos a seguir são historiadores e literatos da área dos clássicos, por exemplo, Ray Laurence professor de História Antiga na Universidade de Macquaire na Australia e Melissa Schwartzberg professora de ciências políticas da Universidade de Nova York, e afiliada ao departamento dos clássicos da mesma.

O canal aborda diferentes áreas do saber, portanto preparamos duas playlists com os conteúdos que encontramos relacionados a Grécia e a Roma antiga, as quais podemos acessar nos seguintes links:

Playlist TED ed – Grécia Antiga

Playlist TED ed – Roma Antiga

Vale lembrar que para quem não tem familiaridade com a língua inglesa, os vídeos possuem legenda em português disponível.


Crash Course

Com intuito semelhante ao do TED ed, encontramos o canal Crash Course. Considerado um canal educacional pelo Youtube, foi criado em 2012 pelos irmãos John e Hank Green a partir da iniciativa do próprio site em trazer canais e produções originais à plataforma.
No Crash Course encontramos diversos conteúdos, bem como biologia, química, física, história e vídeos sobre o mundo antigo. Assim, como indicação especial, deixamos aqui a playlist intitulada de “World History“, onde encontramos vídeos sobre Mesopotâmia, Egito Antigo, Grécia Antiga, Alexandre, o Grande, Roma Antiga, entre diversos outros conteúdos.

Apesar dessa playlist ser apresentada por John Green, romancista criador dos best-sellers para adolescentes “A culpa é das estrelas”, “Quem é você, Alasca?” entre outros livros. Conforme observamos no fim dos vídeos, há uma equipe por trás da produção, pesquisa e escrita do conteúdo apresentado em que se encontram historiadores e outros especialistas.

Além disso, ainda que os vídeos estejam em inglês, sua tradução automática fornecida pelo o Youtube é de boa qualidade e a velocidade de reprodução do vídeo pode ser diminuída a partir da ferramenta disposta também pelo próprio Youtube.

Ainda no Crash Course há outra playlist intitulada de “Literature 2”, onde em seu primeiro vídeo encontramos a discussão da Odisseia. 

Por fim, o canal ainda dispõe de outros conteúdos acerca dos povos gregos e romanos na playlist sobre Mitologia. Essa é apresentado pelo escritor e produtor Mike Rugnetta e pode ser acessada aqui.


Steve Simons

Cena do vídeo “Clash of the Dicers HD 2014” de Steve Simons. Imagem: divulgação.

No site Ellines, encontramos uma matéria sobre o artista britânico Steve Simons criador de animações a partir de cenas reais que decoram os vasos gregos antigos. Neste link, além de um pouco sobre a história de seu trabalho e do próprio artista, observamos três vídeos: o primeiro deles é uma cena de Aquiles e Ajax jogando durante uma pausa na Guerra de Tróia; no segundo observamos um combate entre guerreiros; e na terceira animação é representado uma cena entre Eros e Afrodite. Apesar de no site encontrarmos apenas três criações de Steve Simons, em seu canal do Youtube encontramos sua obra completa.


Remesal, “Testaccio, el Monte de las ánforas”

A próxima indicação é de um vídeo elaborado pelo CEIPAC (centro para el estudio de la interdependencia provincial en la antigüedad clásica) no qual o professor e historiador da Universidade de Barcelona José Remesal apresenta um conteúdo referente ao Monte Testaccio – uma colina artificial composta por pedaços de ânforas que foram descartadas entre os séculos I e III. O vídeo mostra imagens sobre o trabalho arqueológico que é feito na região, como a tipologia de ânforas e a escavação do monte, e principalmente nos leva a reflexões acerca das questões econômicas e sociais da produção e abastecimento de alimentos, neste caso, o azeite no Império Romano.

O professor Remesal fala em espanhol e infelizmente não há legendas disponíveis para o vídeo.


Entrevistas

Além dos vídeos já apresentados, indicamos também três entrevistas sobre a História Antiga. Primeiramente começamos com duas entrevistas do Historiador e Arqueólogo Pedro Paulo Funari, professor de História Antiga da UNICAMP.

A primeira delas foi realizada pelo grupo de pesquisa Subalternos e Práticas na antiguidade, da USP, em comemoração aos trinta anos da publicação do livro Cultura popular na antiguidade. Funari relata a respeito do contexto em que escreveu o livro, no período de redemocratização após a ditadura militar e como isso foi decisivo para o conteúdo e formato da obra. Ainda discute a utilização de fontes diretas para o estudo da cultura popular na antiguidade, como por exemplo os grafites parietais. E, por fim, trata sobre a situação dos estudos subalternos na atualidade.


A segunda entrevista foi realizada pela UNIVESP, tendo como entrevistadora a jornalista Mônica Teixeira e suscita discussões acerca da fronteira entre as áreas da História e Arqueologia. Funari traz reflexões acerca das duas disciplinas e realiza apontamentos sobre as fontes históricas e as divergências entre as abordagens das fontes escritas e da cultura material. Dessa maneira apresenta reflexões sobre a constituição da História e da Arqueologia como campos disciplinares distintos e a importância da interdisciplinaridade.

Por fim, o professor Funari muda de posição e de entrevistado passa a ser o entrevistador no programa “Diálogo sem Fronteira – História Antiga e nosso cotidiano”, onde entrevista a professora Renata Senna Garrafoni pela rTV Unicamp. Nessa entrevista é discutido temas como a relevância do estudo da antiguidade no século XXI; de que maneira nós brasileiros temos acesso as informações sobre esse passado clássico; qual a relação da História Antiga com a mídia e a preocupação com a veracidade do que se é apresentado por filmes; de que forma nossa sociedade vê os antigos e ainda quais são as especificidades e contribuições dos pesquisadores e pesquisadoras brasileiras para os estudos dos clássicos.


Instagram Os Sentidos da História

Imagem de perfil do Instagram Os Sentidos da História. Divulgação.

Como última indicação, deixamos o Instagram do professor Marcos Moraes. Recém-criado, o perfil tem como intuito difundir e discutir criticamente o conhecimento histórico nas redes sociais.  O professor Marcos dá aula no ensino fundamental há mais de uma década e é formado em História pela UNICAMP.

Uma perspectiva original sobre os primeiros seguidores de Jesus

Paulo Nogueira, Narrativa e cultura popular no Cristianismo Primitivo. São Paulo, Paulus, 2018.

Há uma controvérsia historiográfica de longa data: seria o cristianismo dos primeiros seguidores de Jesus uma prática de excluídos e pobres? Ou seria um movimento já de início hierárquico e com seguidores abastados? Ou ambos? Paulo Nogueira procura escapar dos desafios do dilema por meio de uma metodologia original, o estudo do sistema de linguagem, como sugerido por Mikhail Bakhtin e Aaron Gurevich, tomando a cultura como um sistema semiótico. Considera o cristianismo primitivo, antes do Edito de Milão de 313 d.C., como religiosidade popular, tanto ao se originar no povo, como ao se organizar como religiosidade popular. Assim, Paulo de Tarso, embora letrado e estudado, é considerado como pertencente às classes baixas, como também a literatura extra canônica, como os Atos Apócrifos.

Detecta, ainda, a ousada afirmação de autonomia e autoridade de mulheres no cristianismo paulino. Lançavam mão de imaginação narrativa nas quais invertiam as relações sociais por meio da ficcionalidade, ou seja, do poder de estabelecer relações potenciais, mesmo quando não realistas, por meio da linguagem. Daí relatos fantasiosos, improváveis ou mesmo contrários à experiência, tão comuns nas narrativas mitológicas e populares. Os textos articulavam-se como contra narrativas, a partir de características dos personagens retratados como estrangeiros, de status social baixo, suspeitos de magia, ou de outras práticas sobrenaturais. As narrativas ficcionais afirmavam valores dos grupos subalternos e são subversivas, ao questionarem o status quo. Conclui que as categorias e as formas narrativas da cultura popular por meio das quais o cristianismo primitivo se articulou resistem à mera emulação ordenada e passiva de formas de narrar das elites. Religião de marginalizados e de pessoas desprovidas de poder em sua grande maioria, de pregadores bilíngues, multiculturais, itinerantes, urbanos, praticante de uma religião de conversão e de êxtase religioso, os cristãos formavam um movimento religioso das classes baixas do Império

As objeções à proposta de Paulo Nogueira podem advir de diversas direções, a começar da exegese dogmática ou tradicional, como ele reconhece. Para o estudioso da Antiguidade, haveria outras questões, em particular como lidar com as manifestações de erudição e estudo sistemático, como em Paulo de Tarso, ou a referência, desde o mesmo Paulo, a abastados cristãos, em cujas casas se encontrava a comunidade cristã? Abastados cristãos comiam com não cristãos carne de sacrifícios aos deuses, sempre como menciona Paulo. Ou, então, como acomodar a presença de mulheres atuantes e outras reprimidas, senhoras ricas e pobres excluídas, presentes nas narrativas? Parece que a solução desses dilemas esteja em algo não explicitado por Paulo Nogueira: a sua escolha ética por explorar e valorizar o lado subalterno, popular, do cristianismo antigo. Livro de fácil leitura e linguagem clara, é um convite prazeroso a refletir sobre questões teóricas e metodológicas das mais relevantes, e, também, a conhecer um pouco desse imenso e pouco conhecido manancial literário e cultural antigo. Interessante em si mesmo e, ainda, fonte de reflexão sobre nossa própria época, suas aporias e desafios. Haveria algo mais relevante do isso, ainda mais nos dias de hoje?

 Disponível para degustação e compra aqui.

  • Pedro Paulo A. Funari

Considerações sobre a busca do antigo no Brasil

Pedro Paulo Funari possui ampla experiência em História Antiga e Arqueologia Histórica. Renata Senna Garraffoni, professora de História na UFPR, e parte do grupo deste site, ocupou-se com a relação entre os antigos e a modernidade. Nesse sentido, o texto “Considerações sobre a busca do Antigo no Brasil”, elaborado e escrito por Garraffoni e Funari, apresenta uma proposta reflexiva sobre o estudo da Antiguidade no Brasil, dando ênfase a uma nova perspectiva sobre o assunto. Segundo os autores, essas transformações ocorrem devido à quebra de uma percepção Imperialista europeia, que estigmatizava o “Oriente” como inferior a partir de concepções eurocêntricas. No cenário brasileiro, estes historiadores apontam para uma renovação do ensino de História Antiga no país. Segundo eles, o diálogo entre especialistas de diversas áreas é visível e crescente e colaborou para essa transformação nas abordagens.

A História Antiga, comentam, é discutida por profissionais brasileiros desde o início da década de 1960. No entanto, essa discussão neste momento não era muito aprofundada. Com o início da ditadura, políticas institucionais limitaram a atuação dos setores de Ciências Humanas, dificultando o já escasso estudo da Antiguidade. Garraffoni e Funari afirmam que, após a abertura política, novas perspectivas se apresentaram para o ensino da História Antiga. Eles apresentam, também, como debates foram essenciais para que se questionasse ideias e dicotomias já consolidadas na academia brasileira, como a noção de um “Mundo Ocidental” (europeu e civilizado), em oposição a um “Mundo Oriental” (bárbaro e inferior), como criticou e colocou em evidência o pensador Edward Said (1978) e também o conceito de “romanização”, problematizado por Richard Hingley (1996).

Finalmente, a proposta de se repensar o discurso historiográfico, tendo em mente a contextualização e ponderação sobre a produção de conhecimento, é exposta pelos autores. Segundo eles, podemos buscar distanciamento das tradicionais dicotomias utilizadas para explicar o mundo romano (civilizado/bárbaro, homem/mulher etc). Há a possibilidade, também, apontam, de buscarmos compreender e estudar como operam os usos políticos da antiguidade na atualidade.

Referência
FUNARI, Pedro Paulo; GARRAFFONI, Renata Senna. “Considerações sobre a busca do antigo no Brasil.” In: A Busca do Antigo. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2011.Referências

  • Mariana Fujikawa

Entrevista com o professor Pedro Paulo Funari

Nós admiramos diversos pesquisadores do mundo clássico. Ainda que tenhamos proximidade com suas pesquisas nem sempre o texto acadêmico é capaz de nos aproximar da pessoa atrás dos títulos. Foi pensando nisso que criamos esta sessão na qual a cada 15 dias iremos apresentar uma breve entrevista com um estudioso do mundo clássico. A intenção não é reproduzir as informações do lattes, mas revelar quais influências e afetos guiaram estas pessoas até o mundo greco-romano.


Para a primeira entrevista do blog, o professor do Departamento de História da UNICAMP, Pedro Paulo Funari, contou pra gente um pouquinho sobre seus gostos e proximidades com o mundo antigo.

Professor Pedro Paulo Funari. Foto: Acervo Pessoal

Quando você decidiu que queria estudar o mundo antigo? Como foi esse processo?

Foi circunstancial, ainda na graduação (1977-1981 USP). Interessava-me por muitos temas e períodos históricos, mas a oportunidade surgiu pela generosidade da Profa. Glória Alves Portal, que aceitou orientar-me. O tema foi-me por ela sugerido, a partir do que lhe fora dito pelo professor espanhol José María Blázquez: o estudo do azeite espanhol, em época romana. Graças a isso, pude aprender idiomas, estagiar na Europa e, depois, ter a oportunidade de diversificar ainda mais meus horizontes e áreas de atuação

Quais são os seus livros favoritos? (antigos ou contemporâneos sobre os antigos)

Cada um tem o seu lado bonito (ognuno ha il suo fascino, como se diz em italiano). Dentre os antigos, o Satiricon, de Petrônio, Antígona, de Sófocles, Os livros proféticos, da Bíblia Hebraica, os Atos dos Apóstolos. Dos modernos, Ernest Renan (Jesus), Léon Homo (Les institutions politiques romaines, de la cité à l’Etat), Moses Finley (A Política no Mundo Antigo), Paul Veyne (Quando nosso mundo se tornou cristão).

Quais são os seus temas atuais de pesquisa?

O mundo antigo fascina-me em muitos aspectos e temas, em particular relacionados à cultura, aos conflitos, às relações de gênero, à cultura material, à vida social. Assim, escrevo sobre a revolta judaica de Bar Kohba (135 d.C.), sobre Rostovtzeff e a historiografia, ou sobre a economia antiga, sempre agenciando os aspectos mencionados acima.   

O que você deseja pesquisar no futuro? Algum tema em especial

Vários temas, claro, quanto mais variados, melhor.  Dentre os temas novos para mim, estão as relações do Mediterrâneo com o mundo persa, da Ásia Central, da Índia e mesmo da China.

Existe algum lugar que marcou a sua relação com o mundo greco-romano/antigo? Qual?

A Espanha e a Grã-Bretanha, países nas quais vivi e pesquisei.

Qual é o seu personagem (ficcional ou não) favorito do mundo clássico/antigo? Por que?

Dentre tantos, um romano, Júlio César, e outro romano, mas também grego e judeu, Paulo de Tarso.

E, para finalizar, qual grego ou romano você chamaria pra um café? Sobre o que conversariam?

Temo que estranhasse o café, melhor seria uma taça de vinho com Sulpicia Lepidina, mulher que vivia em Vindolanda, Bretanha Romana, no final do primeiro século d.C., para tratar de tudo (ser mulher, romana, viver na fronteira, entre outros assuntos).