A Antiguidade e a Solidão na obra de Giorgio De Chirico

Olá pessoal, esperamos que todos estejam bem!

A publicação de hoje é o último texto da série de postagens sobre Giorgio De Chirico.

Conforme lemos nas últimas semanas, o pintor italiano frequentemente representou os antigos greco-romanos em suas obras metafísicas e, como afirma Barbosa (2011, p. 95), é possível compreender que a estética greco-romana influencia o estado mítico e profético inerente à condição melancólica na obra de De Chirico. No caso, “a herança greco-romana funde-se com o contexto urbano-industrial e nessa composição o humano é, aparentemente, destituído de significado, ou levado a ser figura secundária, perante a arquitetura” (BARBOSA, 2011, p. 17).

À vista disso, no presente texto pretendemos analisar uma das oito pinturas de Ariadne produzidas pelo pintor.

Ariadne, Giorgio De Chirico – 1913. Fonte: MET Museum.

Ariadne, na mitologia grega, era filha do rei Minos de Creta e apaixonou-se por Teseu quando esse chegou a Creta para matar o Minotauro. Com o intuito de ajudar o herói ateniense a escapar do labirinto onde vivia o Minotauro, Ariadne deu para Teseu um pedaço de fio de seda, com a condição de que os dois se casassem e a princesa também fosse morar em Atenas. Entretanto, na viagem após a sua conquista, Teseu abandona Ariadne na ilha deserta de Naxos enquanto ela dormia, e prosseguiu sozinho sua viagem para Atenas. Conforme apresenta Kury (2009, p. 37), “Ao despertar, Ariadne viu a nau que levava seu amante desaparecer no horizonte e ficou desesperada, mas sua dor foi efêmera, pois no mesmo dia Dionísio chegou à ilha… O deus apaixonou-se pela moça, casou-se com ela e levou-a consigo para o Olimpo”.

Nessa obra de De Chirico podemos observar claramente a fusão entre a mitologia grega e o contexto urbano apresentado anteriormente. A estátua de Ariadne dormindo, não se encontra em uma ilha, mas sim em meio a uma praça vazia com uma construção com arcos à direita, enquanto no fundo observamos uma torre com bandeiras trêmulas, um trem e um barco.

No lugar de representar Ariadne como humana, De Chirico opta pela estátua, pois em suas pinturas metafísicas “Os únicos seres antropomórficos existentes, nesse mundo inconsciente, são manequins e estátuas” (BARBOSA, 2011, p. 100).

Os arcos podem ser entendidos como uma forma de “transmitir a harmonia e a proporcionalidade das construções gregas; a monumentalidade, a solidez do estilo romântico e o triunfo da civilização ocidental” (BARBOSA, 2011, p. 98). O vazio da praça pode ser entendido a partir do que Barbosa apresenta como “solidão dos signos”. No caso, “a vida da natureza morta, considerada não no sentido de um gênero pictórico, mas como o espectral, passível de ser aplicada em uma figura supostamente viva” (BARBOSA, 2011, p. 93).

Já o trem, é marcante nas obras do pintor e um importante elemento biográfico de sua vida. Seu pai era engenheiro, proprietário e presidente de uma empresa construtora de ferrovias em Volos, Grécia, o que o obrigou a realizar diversas viagens durante sua infância. Além disso, observamos a presença de um barco no fundo, o qual interpretamos como uma possível referência a nau de Teseu.

De Chirico pintou oito quadros de Ariadne e essa ação não é uma simples coincidência. Conforme descrito no site do MET Museum, Ariadne adquiriu grande significado simbólico pessoal para De Chirico depois que ele se mudou para Paris, em 1911, e passou por um período de isolamento e solidão. As pinturas podem ser entendidas como um retrato para suas memórias de infância na Grécia.

De Chirico “se considerava o ‘verdadeiro herdeiro’ da tradição greco-romana e o único capaz de empregar com maestria a perspectiva renascentista” (BARBOSA, 2011, p. 92). Os antigos, assim, são elementos fundamentais em suas pinturas metafísicas. Afinal, conforme discutimos em nosso primeiro texto, a incessante recuperação do passado realizada por De Chirico não foi em vão ou despropositada, nessa ação há a criação de algo novo por meio do estranhamento que as figuras deslocadas causam. Tal estranhamento levanta questionamentos por parte de quem as observa, devido a fuga da lógica e da disposição dos objetos, de maneira que os descontextualiza.

Referências

BARBOSA, Paulo Roberto Amaral. Melancolia e questões estéticas Giorgio De Chirico. 2011. Tese (Doutorado em Teoria, Ensino e Aprendizagem) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

KURY, Mário da Gama. Dicionário de Mitologia grega e romana. 8ª edição. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

MET Museum: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/486740

  • Barbara Fonseca

De Chirico: Recepção dos Antigos Gregos e Romanos na arte de vanguarda do século XX

Imagem de divulgação no Instagram

Olá, pessoal! Nós do Antiga e Conexões estamos trabalhando em uma série de textos temáticos para vocês e no post de hoje gostaríamos de apresentar o tema escolhido: A Recepção dos Clássicos nas vanguardas, mais especificamente, nas obras do pintor italiano Giorgio De Chirico.

De Chirico (1888 -1978), embora pouco conhecido e estudado por historiadores da arte, foi um dos precursores do Surrealismo, mas sua relevância não se reduz somente a isso. Nascido em Volos, na Grécia, filho de pais italianos, teve uma vida de diversas mudanças – as quais marcam suas obras – devido ao trabalho de seu pai como engenheiro de estradas de ferro. Essas viagens trouxeram ao pintor o extenso repertório dos artistas europeus, dentre esses os antigos, renascentistas e modernos, bem como a imoprtante influência do pintor suíço, que fez parte do movimento artístico simbolista, Arnold Böklin. Além disso, De Chirico contou com influências filosóficas, principalmente de Nietzsche e Schopenhauer. 

As obras de De Chirico se enquadram no que foi chamado de pintura metafísica. Esse movimento procurava se opor ao futurismo e suas motivações nacionalistas, também buscava estar fora da temporalidade e se opunha à transitoriedade. Para isso, o pintor se apoiou em elementos da antiguidade e sua mitologia, as quais se entrelaçam em suas pinturas com elementos arquitetônicos urbanos e modernos, criando, assim, uma noção de tempo fixo.

Mesmo influenciando as vanguardas do início do século XX, devido ao elemento onírico presente em suas obras, o próprio pintor se considerava anti-vanguarda. Enquanto o pintor metafísico buscava uma constante retomada do passado, diferiu-se de ideias vanguardistas, uma vez que estas buscavam o novo.  Para De Chirico, a retomada do passado manteria sua obra como constantemente atual. Afinal, conforme afirma Paulo Roberto Amaral Barbosa segundo o pensamento de De Chirico, “a força geradora de crítica ao sistema não está na disposição de uma leitura, mas na sua constante interpretação”. Por esse pensamento, o pintor italiano foi visto, de certa forma, como um reacionário,  pois buscava retomar o período clássico e renascentista em sua pintura.

A incessante recuperação do passado realizada por De Chirico não foi em vão ou despropositada, nessa ação há a criação de algo novo por meio do estranhamento que as figuras deslocadas causam. Tal estranhamento levanta  questionamentos por parte de quem as observa, devido a fuga da lógica e da disposição dos objetos, de maneira que os descontextualiza. Alguns temas recorrentes que aparecem em suas obras, além dos clássicos e da mitologia, são os espaços vazios, componentes arquitetônicos e personagens sem rostos, além da maneira como ele se utiliza da perspectiva para reforçar esse estranhamento. Tais elementos geram o sentimento de ausência e dão o tom melancólico à suas pinturas.

Ao observarmos a produção de De Chirico, interessa-nos perceber como ele trouxe novos elementos a partir do passado antigo, ou seja, como a recepção do passado se fez presente em diversos contextos, possibilitando a produção de novas ideias. O passado não se encontra engessado, mas sim fluido e aberto, permitindo novos olhares para aquilo que por vezes parece distante. A partir de sua obra, trabalharemos em uma série de três textos as temáticas da ruína e da melancolia como resistência ao progresso. Esperamos, assim, investigar como os Antigos também podem ser pensados como forma de subversão ao conservador e como uma ruptura para com determinados esteticismos vigentes.

Referências:

BARBOSA, Paulo Roberto Amaral. Melancolia e Questões Estéticas: Giorgio De Chirico. 179 f. Tese (Doutorado em Artes Visuais) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA-USP, São Paulo, 2011.