Retrospectiva Antiga e Conexões 2022

Imagem de divulgação. Instagram: @antigaeconexoes.

Olá, pessoal! Esperamos que este post os encontre bem!

É por ele que vamos, hoje, nos despedir do ano de 2022 e anunciar nossa ausência até o próximo ano. Para isso, gostaríamos de fazer uma breve retrospectiva de alguns momentos que marcaram esse período para o grupo e compartilhá-la com vocês. Afinal, vocês são fundamentais para que continuemos com esse ânimo em divulgar os estudos sobre Recepção e História Antiga!

Primeiro, gostaríamos de agradecer a todas e todos que se envolveram em nossa pesquisa temática, que esse ano se dedicou aos estudos sobre Recepção e Moda. Dando origem aos textos publicados aqui em nosso blog, pudemos também contar com a incrível parceria com o grupo de estudos sobre História da Moda da UFJF (@historiadamoda.ufjf), orientado pela Professora Doutora Maria Claudia Bonadio. Por fim, reunimos nossas produções escritas em um material final, uma coletânea que reuniu também imagens para podermos continuar refletindo sobre os impactos das imagens do passado na moda da atualidade!

Além disso, tivemos a alegria de receber professoras e professores em falas incríveis ao longo dos últimos semestres, as quais foram transmitidas por meio de nosso canal no Youtube! Entre nossos eventos, conseguimos a oportunidade de realizar a primeira edição do Percurso Antiga e Conexões, com o qual percorremos as ruas da cidade de Curitiba em busca dos sinais de recepção de gregos e romanos na modernidade paranaense por novas reflexões e discussões.

Por fim (e não menos importante), ficamos honrados em poder concretizar a parceria com a Professora Doutora Jane Kelly de Oliveira (UEPG), compartilhando as análises de seus estudantes acerca da “Recepção da Literatura Greco-Romana no Cinema“! Nessa mesma página de parcerias, reunimos também os materiais elaborados por alunas e alunos na disciplina de Laboratório de Ensino e Pesquisa em História Antiga II (DEHIS/UFPR), voltados para a presença de questões pompeianas e neopompeianas na atualidade.

Agradecemos a todas e todos os colegas, às professoras parceiras e a nossas e nossos leitores por este incrível ano juntos! Esperamos que possamos seguir com essa relação maravilhosa nos meses que se seguem, e que possamos compartilhar mais discussões sobre o mundo antigo e suas conexões com o presente!

Boas festas, bom descanso e até 2023!

Coletânea Antiga e Conexões – Recepção e Moda

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Olá, pessoal! Esperamos que estejam bem!

É com muita alegria que anunciamos a publicação do mais novo material Antiga e Conexões! Como encerramento das atividades desse ano, estamos divulgando a criação de nosso catálogo sobre Recepção e Moda. Ao reunir os textos publicados no blog, acrescentamos mais imagens às discussões de modo a atribuir maior visualidade à discussão proposta pelo grupo.

Esperamos que essa coletânea seja usufruída por vocês, aplicando em sala de aula, estudos ou na lista de leituras! Agradecemos imensamente o apoio de nossas e nossos leitores, bem como da professora Maria Claudia Bonadio (UFJF) – que coordena o grupo de estudos de história da moda dessa mesma instituição. Vocês foram fundamentais para a realização dos debates que deram a base dessa publicação.

Desejamos uma boa leitura, e até o próximo post!

Link para download do material: https://drive.google.com/file/d/1ugoZ49W8cntEnVr62zFVKcPTV36eX7K9/view?usp=sharing

Carnaval, Moda e Subversão

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Olá, pessoal! Para finalizarmos os textos relativos à recepção e moda, abordaremos hoje a questão da indumentária no Carnaval brasileiro…

Nessa festividade, permanece presente a recepção greco-romana e os diálogos com a Antiguidade. Afinal, as próprias origens do carnaval têm relações com os deuses – como o deus grego da sátira, Momo (Μώμος) – e celebrações antigas – como a Saturnália romana. Os costumes festivos e “desregrados” das festas a Saturno, caracterizavam-na pelo relaxamento da ordem social, mesmo clima adotado posteriormente pela folia do calendário cristão. Não à toa, as relações com a Antiguidade aparecem nas avenidas, revisitando, discutindo e reinterpretando o passado. Na pluralidade dos carnavais, os antigos são recuperados especialmente pelas imagens mitológicas que, ao estabelecer novas conexões, desestrutura e questiona o idealismo dos “clássicos” (SETTIS, 2006). Uma das formas que ocorre a evocação ao passado no carnaval é pela indumentária – os foliões encarnam deuses, guerreiros, reis e monstros através de suas roupas!

A Saturnália romana, gravura de John Reinhard Weguelin. Fonte: Wikimedia Commons.

Na análise do antropólogo britânico Daniel Miller (2013), o vestuário desempenha papel considerável na constituição das experiências particulares dos indivíduos. Assim, há uma vasta gama de relações possíveis entre o conceito de “eu”, a pessoa, e a indumentária – ou seja, assim como as indumentárias se transformam, os indivíduos também se modificam (MILLER, 2013, p. 61). Exemplo disso é que, durante as comemorações carnavalescas, as roupas (assim como os próprios foliões) são transformadas pelo espírito festivo, adquirindo significações diversas àquelas do cotidiano.

Durante as festas carnavalescas o vestir se torna polifônico, de modo que vários corpos de significados podem coexistir num mesmo indivíduo a partir das representações, das fantasias e do subversivo que incorporam (CUNHA JUNIOR et al, 2020, p. 391-392). O ápice dessa ludicidade insurgente do carnaval brasileiro é o desfile das escolas de samba. Seus destaques de luxo – com opulência e criatividade – emitem discursos políticos, interpretações, anseios e resistências populares. A partir do samba enredo (fio condutor do desfile) é feita a criação e a execução dos figurinos, os quais têm como foco adicionar aos demais elementos informações necessárias ao bom entendimento da história ali contada (BEIRÃO FILHO, 2015, p. 48). Não obstante, há de se cumprir uma série de quesitos predefinidos visando a avaliação dos jurados e premiação que tradicionalmente ocorrem nas maiores cidades do país.

Na avenida, a sexualidade – que cotidianamente costuma ser encobertada e velada (sobretudo aos corpos femininos) – é permitida e celebrada. A indumentária, que normalmente tem como papel pragmático “cobrir” a vergonhosa nudez e demarcar posições na sociedade, durante o carnaval se transforma em uma ferramenta de teatralidade. Os corpos são transpostos para uma outra dimensão: sensorial, cênica e utópica, como explanado por Foucault. “Quando a alegoria vira para exibição, ele deixa de ser indivíduo para ser elemento alegórico, personagem, ator, intérprete” (CUNHA JUNIOR et al, 2020, p. 398).

Ao longo do espaço coletivo da avenida transitam representações heterogêneas, permitindo (a partir das expressões artísticas) a subversão das ordens delimitadas em questões históricas, políticas, sociais, religiosas, sexuais, de gênero, etc. A indumentária das fantasias carnavalescas ratifica essa insubordinação dos enredos, permite a construção e desconstrução de identidades e, extrapolando a mera função estética, chega ao papel simbólico de comunicação (BEIRÃO FILHO, 2015, p. 48).

Questionamentos sociais tais como a relação entre gênero e moda ou os debates acerca dos direitos da comunidade LGBTQIA+ já eram levantados nos carnavais do século XX, sobretudo por figuras como Clóvis Bornay (1916-2005). Bornay – famoso artista carioca – revisitou os padrões de normatividade vigentes, expôs e celebrou as multiplicidades transitando livremente entre as fronteiras do masculino e feminino. Essas transgressões permeadas pela indumentária são características carnavalescas e expõem as rupturas com inúmeros estereótipos. Gênero, raça, sexualidade, metadiscursos e práticas sociais são questionados no Carnaval e, a partir das vestimentas e expressões artísticas, são repensados pelos grupos ditos “marginais” ou “subalternos”.

Criaturas marinhas e Poseidon representados em desfile da escola Acadêmicos de Portela, na Marquês de Sapucaí (2011). Fonte: Rodrigo Gorosito/G1.

Referências:

CUNHA JUNIOR, M. R. et al. Trava na beleza: imaginários sobre destaque de luxo de escola de samba. Policromias: Revista de Estudos do Discurso, Imagem e Som, Rio de Janeiro, p. 389-419, dez. 2020.

BEIRÃO FILHO, J. A. Moda e Carnaval: uma abordagem criativa. Revista Moda Palavra e-Periódico, Florianópolis, v. 8, n. 15, p. 35-58, jan./jul. 2015.

MILLER, D. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

SETTIS, S. The future of the “classical”. Cambridge: Polity Press, 2006.

  • Felipe Daniel Ruzene

Os Clássicos na Moda do Funk e do Rap – Texto 2: A Conquista da “Nike”

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Olá pessoal! Continuando sobre a recepção dos clássicos na moda do Funk e do Rap, hoje trataremos de outro caso, a Nike.

A Nike é uma marca de artigos esportivos fundada em 1972 por Bill Bowerman e Phil Knight no estado norte-americano do Oregon. É atualmente a maior fornecedora mundial de produtos do ramo, que vão desde indumentárias e acessórios para o dia-a-dia até esportes de alto nível. Quase que ao oposto da Versace, tratada no texto anterior, é destinada sobretudo ao público popular e usa muito pouco estampas em suas peças. Por outro lado, seu logo é ainda mais conhecido que a Medusa, o chamado Swoosh, apesar de não parecer, carrega junto do nome da marca uma recepção do passado clássico.

No mundo grego antigo, Nike foi a deusa que representava a “vitória”. Dentre as diferentes representações visuais da divindade, é bastante comum aparecer com um par de asas nas costas, e também carregando uma faixa, uma coroa, ou praticando o ato da libação, símbolos de prestígio pelas conquistas. A marca Nike, além de emprestar o nome de uma referência antiga, traz no seu logotipo uma estilização da asa da deusa, representando velocidade e ascensão.

Retornando ao mundo do Funk e do Rap, a Nike é uma marca usada com notável frequência pelos artistas principalmente por estar amplamente associada às culturas de “rua” e ao streetwear. Apesar de não figurar no mercado de luxo e ter maior relação com uma identidade estética, não deixa de representar as conquistas dos indivíduos através de peças como os chamados “tênis de mil”, entre eles, Air Max Plus, Air Max 97, Vapormax e Shox TL. Andar “virgulado”, ou com “a vírgula no pano”, apelido dado ao Swoosh pela semelhança com o sinal de pontuação, é sinônimo de estar bem vestido. Nas letras e títulos de músicas as citações são inúmeras, “Nikeboyzsport” de Yung Nobre, “Nike Bolha” de Danzo, “Máfia da Nike” de MC Davi e MC IG e “Nikes on my feet” de Mac Miller são exemplos.

Ainda, um dos mais emblemáticos usos visuais da imagem da Nike está presente no clipe da música de Rap Apeshit do casal Jay Z e Beyoncé. No vídeo, a temática propõe uma subversão dos valores elitistas da arte ocidental ao colocar os cantores e bailarinos negros em frente a obras expostas no museu do Louvre. Enquanto a canção fala sobre a ascensão dos artistas através do poder aquisitivo e as mudanças sociais que isso acarreta, o videoclipe faz o excelente papel de destacar corpos negros em contraste com espaços de identificação de uma ideologia dominante. Entretanto, o que chama atenção nesse caso, é que a Nike não aparece através das roupas, mas a deusa se materializa na estátua conhecida como Vitória de Samotrácia. Produzida em mármore entre os anos do período helenístico e descoberta somente em 1863, se encontra no topo da Escadaria Darú do Louvre. O fato de sua cabeça ainda não ter sido encontrada e assim estar exposta, ajuda no processo de desconstrução do clássico como cânone ocidental. A falta de um rosto para comparação ou “modelo” permite pensar um mundo antigo e seu usos recentes de forma multi-identitária.

Sendo assim, temos mais um exemplo bastante interessante da presença do passado clássico na nossa atualidade. Representando a vitória desde as culturas greco-romanas, o mito se transporta para a moda em uma marca extensamente difundida na cultura popular. A Nike continua protagonizando como símbolo da celebração de conquistas, dessa vez, no universo do Funk e do Rap.

Referências:

SETTIS, Salvatore. The Future of the ‘Classical’. Tradição de: Allan Cameron. Cambridge: Polity Press, 2006.

MILLER, D. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

  • Guilherme Bohn dos Santos

Os Clássicos na Moda do Funk e do Rap – Texto 1: Ressignificando o Luxo de Versace

Imagem de divulgação. Instagram: @antigaeconexoes.

A Versace, marca italiana da moda de alto luxo e uma das maiores do ramo, traz em sua identidade visual um logotipo bastante conhecido, a cabeça da Medusa. O designer fundador da assinatura, Gianni Versace, teve uma infinidade de inspirações do passado clássico na construção da personalidade de sua marca principalmente pelo local onde nasceu. Reggio di Calabria, região de forte presença grega e romana na antiguidade, forneceu a Gianni diversas fontes imagéticas para que fundasse a Versace em 1978 em Milão.

Tradicionalmente no mito grego antigo, a Medusa era uma górgona, espécie de criatura de aparência grotesca e rude que transformava em pedra aqueles que a olhassem diretamente nos olhos. Com o passar do tempo, a imagem da Medusa foi se transformando de monstro em uma bela e atraente mulher. A presença de cobras no lugar dos cabelos só aparece mais tardiamente e é associada à descrição do poeta romano Ovídio. De acordo com o relato, dada a sua expressiva beleza e, por ciúmes de Atena, foi condenada a carregar serpentes no lugar das madeixas. As representações imagéticas antigas do mito foram se alterando ao longo da história apesar de continuarem sendo bastante populares. Dessa forma, a Medusa carrega consigo até hoje a ideia de uma beleza mística, que chama atenção e atrai, mas deve ser observada com cuidado.

Na Versace, desde seus primeiros desfiles até os mais atuais, é bastante comum encontrarmos a Medusa estampada nas mais variadas peças da marca. Sem cobras na cabeça mas com um rosto bastante harmonioso, se faz presente nos designs mais luxuosos, que chamam atenção pela extravagância, cores e pelas estampas nada discretas. O logotipo carrega mundo afora uma nítida recepção dos clássicos. Em contrapartida, estando atrelada ao mercado de luxo de alto valor e, destinada a um público de elevado poder aquisitivo, o uso do passado antigo, nesse caso, acaba também por reforçar o molde do clássico como sinônimo de excelência, pureza e superioridade.

Por outro lado, tais elementos podem ser totalmente adaptados e ressignificados quando absorvidos por outras culturas ou grupos de expressão artística, como é o caso do Funk e do Rap na proposta deste texto. Tanto o Funk atual, propriamente brasileiro, como o Rap nacional e internacional, têm sua origem na música negra americana de meados do século XX. Por se tratar de um gênero nascido e desenvolvido por grupos afro-descentes e de posições mais desfavorecidas socialmente, os artistas retratam com maestria as vivências dos lugares onde cresceram. É bastante comum nas letras, tanto do Funk como do Rap, estarem presentes histórias reais ou fictícias de personagens que sofreram severas opressões, sobretudo pela questão racial e econômica, e que ascenderam socialmente através da música. 

Exibir uma “vida boa” e cantar bens conquistados através do esforço de seu trabalho é um plano extremamente comum nestes gêneros. Casa, carro, jóias e roupas figuram entre os principais. A frase que figura como símbolo desse tema é “a favela venceu”. Entretanto, nesse quesito, é de extrema importância pensar que, a cultura material, para além de uma visão simplista, constitui também o sujeito e o coletivo em suas realidades. Ou seja, a “ostentação” do Funk não é superficial, mas remete a toda a trajetória e experiências de vida dos artistas. 

Hoje é mais comentado

Pilotando um importado

Degustando um destilado

Na certa, é favela

Afirmou que tô mudado

Elegante enjoado

Mais pra frente, mais ousado

Na chave de quebra

Trecho de “Pois é” de Oldilla com participação de MC Kadu, MC Paiva, MC Lemos, MC GP e MC Dena. 

Nessa visão, a moda é objeto fundamental de tal lógica. Retomando a Versace, marca extensivamente usada por cantores do Rap e do Funk e que se tornou tema de títulos e letras como em “Colar da Versace” de Mc Hariel e Andressinha ou “Versace” do trio americano de rap Migos (entre outros tantos exemplos), é um símbolo da conquista de um elevado padrão de vida. Entre as indumentárias de destaque da marca está o tênis Chain Reaction, desenvolvido pelo designer norte-americano Salehe Bembury e acompanhado pelo rapper 2 Chainz em sua campanha. No modelo, são expostos elementos de inspiração claramente antiga, como chaves gregas e um solado que parece remeter ao branco dos idealizados mármores greco-romanos, mas que materializa o formato das famosas correntes “cubanas” usadas por rappers e MCs do funk. No Brasil, o cantor MC Davi, um dos mais destacados da cena, traz em seu guarda roupa 9 pares de diferentes cores e estampas da silhueta do Chain Reaction. 

Pensando propriamente a recepção dos clássicos, o uso de marcas como a Versace por artistas de origem humilde nos propõe uma nítida subversão de um discurso de ordem e excelência. Se elementos da antiguidade clássica foram e ainda são matéria de legitimação de relações de poder, quando transportados para outros contextos culturais, são capazes de alterar um modelo hegemônico e atribuir novos significados a estes mesmos itens. O ideal construído de pureza grega agora toca o chão das favelas e ghettos. 

Rapper 2 Chainz usando Versace – Fonte da Imagem: Site oficial da Versace.

Referências:

SETTIS, Salvatore. The Future of the ‘Classical’. Tradição de: Allan Cameron. Cambridge: Polity Press, 2006.

MILLER, D. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

  • Guilherme Bohn dos Santos

The New Goddesses: Performances Mitológicas à Moda Drag Queen

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Olá! Esperamos que esteja bem!

No texto de hoje daremos continuidade à questão das relações criadas entre a roupa e a performatividade, já trabalhada em outras publicações. Como já apresentado, sustentamos que há um rompimento quanto à noção de que as roupas são meramente superficiais, não detendo significados mais profusos sobre as individualidades. Pelo contrário, concebemos, seguindo a leitura de Miller (2013), como a vestimenta é um potencial mecanismo de exteriorização de partes de si em movimentos performativos instantâneos. Nessa linha, tomamos como ideia de performance a traçada por Zumthor (2007), ao se reconhecer a momentaneidade de suas manifestações, variantes em seus aspectos históricos, sociais e subjetivos, e submetidas aos processos criativos e comunicacionais de seus agentes. 

Por conseguinte, apreendemos como o ator performático extrapola os limiares da indumentária para se conectar com a totalidade corporal ao associar o interior com o exterior a partir de inscrições corporais delimitadas pela atuação social, como teoriza Butler (2003). Por essa mesma autora, notamos como as ideologias criadas em sociedade acerca das atuações pessoais, especificamente orientadas segundo concepções de gênero, acabam por passar às corporeidades em significações próprias em jogos com “ausências significantes” (BUTLER, 2003, p. 194) na construção de identidades. Em decorrência, os conceitos generificados, ilusórios por sua caracterização social imanente, acabam por se contrapor a atuações consideradas transgressoras, tais como a ação Drag. Por esse modo, tomamos como o objeto de análise desse texto as formas de evocação da Antiguidade por essas performatividades subversivas e jocosas sobre os padrões comportamentais, contrapondo sexo, gênero e performance, tal qual expõe a autora. 

De modo a fazer esse breve estudo, tomamos como documento a promoção da quinta temporada do reality show RuPaul Drag Race, um concurso norte-americano ao qual drag queens competem pelo título de Drag Queen Superstar. Nesse vídeo, visualizamos como o mundo antigo é encarnado em uma ruptura em relação aos ideais de gênero, recuperado especialmente por imagens mitológicas e destacando-se na expressão visual pela indumentária. Desse modo, averiguamos uma dissensão nas noções tradicionais do “Clássico”, uma definição repensada e rearticulada desde a diversidade inerente ao mundo antigo e às suas recepções, conforme retrata Settis (2006). Em concordância com esse modelo de apropriação não homogeneizante do passado, a montagem audiovisual traz alguns elementos inerentes ao passado de povos egípcios, indianos e até mesmo “espaciais”. Desestrutura, zomba e ironiza os ideais de gênero e de um passado greco-romano “clássico”. 

Para além disso, mencionamos essa fonte como sendo um exemplar das construções de novos significantes linguísticos acerca do mundo antigo, em especial a partir de recepções pós-modernas sobre o passado, em consonância com o examinado por Settis (2006). Afinal, o trailer respalda-se sobre evocações fragmentárias do passado e banaliza suas noções “tradicionais” ao aliá-lo a temas cotidianos, como a discoteca e as sungas douradas. Entretanto, ao mesmo tempo, ligam-se às retomadas modernas da Antiguidade, reconhecendo de forma consciente as posições dos componentes greco-romanos, egípcios e de demais povos antigos usados em sua criação – nomeadamente no vínculo entre seus conhecimentos sobre representações visuais de deusas mitológicas manifestadas em suas formas de vestir, com os fatores tomados como disruptivos na sociedade contemporânea. 

Tendo essas considerações em perspectiva, podemos concluir, enfim, como o mundo Drag Queen tem grande espaço no trato performativo crítico do mundo antigo, especialmente em imagens que refletem a variabilidade de situações nele encontradas. Ao revestir-se de elementos pós-modernos, transpondo aspectos do passado em fragmentos e vulgarizados, constituem, afinal, movimentos conscientes em seus discursos atuais, que, críticos às postulações sociais de gênero, encontram nas vestimentas uma forma máxima de expressão. 

Trailer de promoção. RuPaul’s Drag Race. 5a temporada.

Referências:

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de: Renato Aguire. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 

MILLER, Daniel. Por que a indumentária não é algo superficial. In: _____. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. p. 21-65.

SETTIS, Salvatore. The Future of the ‘Classical’. Tradução de: Allan Cameron. Cambridge: Polity Press, 2006.

ZUMTHOR, Paul. Performance e Recepção. In: ______. Performance, recepção, leitura. Tradução de: Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo: Cosac Naify, 2007. p. 45-60.

  • Heloisa Motelewski

Jean Paul Gaultier: Subversão do “Clássico” e do Corpo

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Jean Paul Gaultier é considerado um dos maiores estilistas da contemporaneidade. Desde o início da carreira na década de 1970, Gaultier tornou-se respeitado pelo seu uso de materiais não-convencionais e por suas subversões de vestimentas – como o icônico sutiã de Madonna e a saia masculina (kilt). Estas transgressões no uso da vestimenta são características do estilista, que prova e quebra determinados estereótipos de gênero a partir da vestimenta. 

Em sua coleção prêt-à-porter de 1999, Gaultier evoca a Antiguidade Clássica na passarela e na composição de suas roupas. Utilizando-se do artifício trompe d’oeil, um jogo de luzes e sombras do próprio tecido, o estilista reproduz imagens de estátuas de deusas antigas para criar um efeito de fragmentação – tanto do tecido como do próprio corpo representado. Um tema presente nesta coleção são as esculturas da Antiguidade Clássica, sempre representando mulheres. Na indumentária produzida por Gaultier, temos a representação em forma de imagem de um artefato arqueológico, a escultura. A representação na indumentária do artefato arqueológico opera um diálogo com a escultura, visto que esta é uma das formas de apreensão da moda do que se entende como o corpo, a moda e as texturas da Antiguidade Clássica.

Podemos entender o uso que Gaultier faz do modelo de escultura clássica em sua coleção prêt-à-porter a partir de duas perspectivas. A primeira é uma subversão da alta cultura, visto que esta, ao mesmo tempo em que define o parâmetro da moda, imediatamente descarta o uso de um item quando se torna popular. A biografia de Gaultier indica, dentro desta perspectiva, a busca por inspirações de diferentes movimentos culturais e estéticos populares, transformando sua própria alta costura em um receptáculo das formas daí advindas. Nesse sentido, JPG opera uma dessacralização da alta costura, incorporando o popular dentro dela. 

A segunda perspectiva diz respeito ao tratamento específico da escultura antiga e da retomada da Antiguidade realizada por Gaultier. A alta costura apropria-se do que é antigo como uma forma de demonstrar continuidade diante da efemeridade mercadológica de sua própria indústria e, ao fazer isso, também realiza uma leitura sobre essa Antiguidade, transformando-a em algo não-popular. JPG, por sua vez, brinca com estas ideias, dessacraliza também a Antiguidade Clássica trazendo-a para seu prêt-à-porter e transforma a relação com a nudez.

A sexualização exacerbada do corpo, especialmente feminino, que precisa constantemente ser coberto e controlado, é repensada a partir das esculturas antigas. Estas representam uma nudez natural e poderosa, transformando quem veste, em alguma medida, em uma representação em partes dessas deidades. Há uma subversão na lógica dos sentidos: a escultura, enquanto artefato, representa a nudez. A indumentária, por sua vez, é utilizada para “cobrir” a nudez do corpo, mas ao mesmo tempo representa uma nudez entendida como “clássica” – logo, ela cobre mas também revela certa potência na relação entre o corpo contemporâneo e o artefato antigo.

Além das esculturas, Gaultier utiliza-se da estética dos grafites antigos em algumas peças. O grafite, elemento comum tanto na Antiguidade como na contemporaneidade, pode ser entendido como uma referência imagética popular, trazendo mensagens como amor e safe sex (sexo seguro), demonstrando outras camadas de relação com o século XX. A partir destes exemplos, podemos entender o uso da Antiguidade Clássica nesta coleção de Gaultier a partir de uma noção de ciclo de tendências – a apropriação contemporânea funde-se aos mitos e significados contemporâneos, criando uma peça própria de seu tempo, mas com o objetivo de ser atemporal. Quem a veste, também pode inspirar em si uma própria aura de deidade e de poder. Tudo isso, entretanto, sem que as peças estejam dentro de um ideal inalcançável de alta moda – elas permanecem com seu caráter popular e pronto para vestir.

Referências

BESNARD, Tiphaine A. La Vénus de Milo  dans l’art contemporain (de 1980 à nos jours) :

une icône globalisée. In: thersites 13 (2021): Antiquipop, pp. 84 – 99.

RENAULT, Marnon. Antiquités et pop cultures dans la haute couture et le prêt-à-porter des années 2010. In : thersites 13 (2021) : Antiquipop, pp. 125 – 140.

  •  Ingrid Cristini Kroich Frandji

Moda, Mito e Masculinidade: Percursos sobre Medeia, de Pier Paolo Pasolini

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No final da década de 1960 Pier Paolo Pasolini, artista italiano conhecido por seu cinema, teatro, poesia, apresenta ao mundo uma trilogia de filmes baseados nos mitos gregos: Édipo rei, Medeia e Notas para uma Oréstia Africana. No filme aqui analisado, Medeia (1970), as roupas e figurinos têm um papel importante tanto na caracterização dos personagens e ambientes quanto na narrativa: as antigas roupas de Medeia são o presente enfeitiçado que ela oferece à filha do rei como parte de seu plano de vingança contra Jasão, por exemplo.

Apesar de se basear no mito grego, os figurinos e ambientes do filme não se encaixam perfeitamente no que consideraríamos hoje como a estética “clássica”. Ao falar sobre Édipo rei, Campos (2004) diz: “o figurino não é nem um pouco de época: Pasolini quis misturar, principalmente, a cultura africana ancestral, a antiguidade sumeriana e a tradição asteca, tudo dentro de um cenário marroquino, com som de cantos romenos, árabes e japoneses.” Em Medeia é possível perceber semelhante mistura de estéticas que afastam o mito da ideia de “clássico grego”, à qual Pasolini se sobrepõe. A ideia de “clássico”, analisada por Salvatore Settis, define-se historicamente, a partir de alterações estéticas na percepção dos antigos no final do século XVIII e início do XIX. O chamado estilo Neoclássico cria imagens idealizadas, estabelecendo os gregos do século V AEC e sua cultural material como um modelo (SETTIS, 2006). É justamente esse ideal grego que tenta se sobrepor a outras manifestações culturais que Pier Pasolini combate, trazendo elementos multiculturais nas suas produções.

A motivação de Pasolini para a inclusão de tais elementos no figurino do filme é tanto estética como ligadas à sua posição política. Admirador de Marx (e, sobretudo, de Gramsci), o cineasta demonstra, por meio do uso dessas diferentes vestimentas, seu amor pelo povo “bárbaro, terceiro-mundista, favelado, proletário” (CAMPOS, 2004).

As vestimentas servem, neste sentido, para reforçar as ideias que Pasolini discute em seu filme, sua interpretação particular do cineasta do mito. Segundo Fresneda, o filme aprofunda o confronto entre culturas religiosas e seculares e trabalha com os dualismos entre o sagrado, a natureza, o arcaico, representados por Medeia, e o profano, a civilização, o moderno, encarnados em Jasão. Portanto, o figurino que Medeia usa é relevante para construir visualmente estas simbologias:  quando foge de sua terra sua roupa expressa sua relação com o sagrado, o mítico; já na cena em uma cidade estrangeira, troca suas antigas roupas e recebe vestimentas desse novo lugar indicador a ruptura da personagem com seu passado mítico, o qual ela voltará a abraçar no fim do filme.  

Roupa de Medeia sendo trocada. Nessa cena, a personagem é despida de suas joias e amuletos para vestir as roupas locais. (MEDEIA, 1970)

Destacar a centralidade do figurino é importante para pensar que a construção estética do cinema de Pasolini não se restringiu apenas às telas. De acordo com Paola Colaiacomo, o cineasta foi um dos responsáveis por ajudar a repensar a vestimenta e a masculinidade italiana dos anos 1960-1970 (COLAICOMO, 2015). Ao tomar conceitos da antropologia, a pesquisadora reflete sobre a relação entre teorias da literatura e a moda, campo geralmente enquadrado fora da crítica literária. Dessa maneira, é possível entender que a moda reflete no cinema e vice-versa. Então, no caso de Pasolini, a pesquisadora busca por traçar essa relação destacando os diversos impactos do cinema italiano na construção da moda.                                                                                                                  

Nesse viés, destaca-se que na reconstrução do pós-Guerra, famílias de classes trabalhadoras, ao retornarem a Roma, foram rechaçadas de ocuparem as suas antigas casas, de modo que essas pessoas ocupam periferias em assentamentos miseráveis. Pasolini, confrontado com essa realidade, busca expressar em sua narrativa fílmica uma “outra Roma”, não a da “Hollywood no Tibre”, mas uma “Roma Yankee” (COLAICOMO, 2015, p.272). Nesse intento, o artista italiano trabalha com adaptação de vestimentas como as “T-shirts” vindas dos Estados Unidos, tipo de roupa a qual os únicos autorizados a portar eram adolescentes e pessoas marginalizadas. Disto, Pasolini constrói a figura dos ragazzi

Em Medeia pode-se notar essa indumentária adaptada para muitos personagens, sobretudo de extração baixa, mas também são esses estilos portados por Quiron, o centauro, em sua transformação ao longo do filme, o que pode ser entendido como a oposição traçada entre o sagrado e profano, uma vez que o estilo de ragazzi, na ótica social da Itália dos anos 1970 não havia nada de sagrada, sendo atribuída muito mais a um domínio sexual.                                                   

        

Quiron. Cena em que mostra o personagem tanto como centauro como totalmente humano. Nela destaca-se a indumentária do Quiron humano, em que as clavículas e parte do peito estão descobertos e a roupa permite distinguir os traçados do corpo. (MEDEIA, 1970)

Paola Colaicomo argumenta existir uma linha de desenvolvimento que liga os ragazzi de Pasolini a atual moda midiática (2015). E o elemento central disso é a representação dos corpos masculinos. Claramente o cineasta não tinha a percepção de que a moda seria uma força que moldasse a identidade, como hoje se pensa, no entanto não deixa de ser destacável que sua produção fílmica estivesse, como se tenta aqui apresentar, ao esboçar críticas às condições sociais de sua época e pensar questões como o mito, o sagrado, o profano e a sexualidade, de alguma forma imbrincada num processo de construção estética do corpo masculino. Como cita a autora, o próprio jogo de câmeras caía, inclusive em Medeia, num jogo “transgressivo” (COLAICOMO, 2015, p. 282). E assim ocorre, pois a mídia das décadas seguintes faz-se de modelos do tipo ragazzi, com a clara valorização da masculinidade, traços que mostram os braços e/ou as clavículas, por exemplo.                                       

Desse modo, Medeia e a produção fílmica de Pier Pasolini são excelentes casos como, nas décadas de 1960-1970 a recepção dos “clássicos” na moda (em especial dos figurinos inspirados nos gregos) perpassa críticas socias e o cinema.

Referências

CAMPOS, Vanessa Patrícia Monteiro. DECIFRA-ME QUE NÃO TE DEVORO – Mitos, ritos e símbolos no cinema de poesia de Pasolini. In: SIMPÓSIO DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO DA REGIÃO SUDESTE, 10, 2004, Rio de Janeiro.

COLAICOMO, Paola. Pier Paola Pasolini and the construction of masculinity in Italian fashion. Internacional Journal of Fashion Studies, v. 2, n. 2, p. 267- 285, 2015.   

FRESNEDA DELGADO, Iratxe. Medea de Pier Paolo Pasolini. Ars bilduma, n. 4, p. 149-157, 2014.

MEDEIA. Direção: Pier Paolo Pasolini. Roma: San Marco S.p.A., 1969. 1 filme (118 min), sonoro, legenda, color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uZYy493Hrd8&gt;. Acesso em: 19 mai. 2022.

SETTIS, Salvatore. The Future of the ‘Classical’. 1ª Ed. Polity Press, 2006.

  • Eduardo Zolet Santos
  • Camila Iwahata

O Drapeado de Vionnet e o Corpo Feminino, as Novas Possibilidades das Formas

Imagem de divulgação. Instagram: @antigaeconexoes.

Olá, pessoal, no texto de hoje continuaremos nossa jornada através da recepção de elementos da antiguidade greco-romana na moda, seguindo ainda o contexto do século XX, como abordado no texto anterior sobre Mariano Fortuny, porém, abordando o drapeado nas roupas da estilista Madeleine Vionnet.

 Performance, corpo e expressão são elementos que perpassam essas discussões, então pretendemos no seguinte texto tratar do movimento e das formas, partindo dos designs de Madeleine Vionnet. Nascida em 1876, na frança, Vionnet, foi um dos mais importantes nomes do cenário fashion da França no século XX, tal como Fortuny e outros designs de moda, ela buscou dar ênfase nos tecidos e formas leves, nas dobras e no caimento das roupas no corpo feminino. A estilista iniciou suas criações no mundo das vestimentas trabalhando com lingeries, o que sem dúvidas, refletiu-se em suas criações posteriores, nos elementos de sensualidade e transparência em suas criações.

No período do entre guerras, a ideia de uma antiguidade vinha sendo explorada por distintos grupos, como é o caso dos nacionalistas, (a ascensão do fascismo na Itália, é um exemplo). Mas, em contrapartida, esses elementos foram, também,  utilizados por artistas e pensadores dos nascentes movimentos de vanguarda, (já tratamos aqui da recepção dos antigos na obra de Giorgio de Chirico). Vionnet, mais se aproxima desse segundo grupo, através das dobras e dos recortes geométricos dos tecidos, ela busca exaltar o corpo feminino, contrapondo-se com a idealização do corpo masculino da antiguidade greco-romana.

Através do drapeado e do chamado “bias cut”(uma técnica de corte em 45°, que confere uma maleabilidade maior para o tecido), Madeline conseguiu criar peças que combinasse flexibilidade, fluidez e movimento. De forma que as roupas e o corpo se confundem, a roupa torna-se quase uma extensão do corpo feminino, abrindo-o para diferentes possibilidades.

Annek Smelik, traz uma reflexão interessante, entre a estética das dobras na arte e na moda. Iremos discorrer sobre tais discussões brevemente, para pensar como a antiguidade se insere nesse sistema simbólico. Pensando no drapeado utilizado principalmente nas esculturas barrocas de Bernini, e os vistos nas roupas de Vionnet e Fortuny. Smelik, aponta para um jogo entre as emoções expressas pelo drapeado, e a sensualidade que lhe é inerente. A autora, volta-se para as reflexões de Deleuze, que entende essas novas dobras nas vestimentas como uma forma de intensidade que se descola do corpo, em um jogo entre exterior e interior que estão sempre em movimento, no qual não se pode mais distinguir um do outro. 

A dobra para Deleuze, trata-se de um conceito muito mais amplo do que poderíamos descrever aqui, porém, é interessante, pois nos possibilita traçar esse jogo na própria vestimenta. Em um período de mudanças abruptas nos modos de vida na sociedade do século XX, é através das dobras e formas das vestimentas femininas, que o interior e o exterior se encontram possibilitando um movimento infinito de criações, onde o corpo torna-se mais do que só o corpo.

Referências

CLARKE, Michael. Exhibition Review Madeleine Vionnet: 15 Dresses from the Collection of Martin Kamer. Fashion Theory, v. 6, n. 3, p. 323-326, 2002.

DI TROCCHIO, Paola. Exhibition Review: Madeleine Vionnet: Fashion Purist—The World According to Madeleine Vionnet. Fashion Theory, v. 15, n. 4, p. 517-523, 2011.

SMELIK, Anneke. Fashioning the fold: Multiple becomings. In: This Deleuzian Century. Brill, 2014. p. 37-56.

  • Renata Cristina S. de Oliveira

Representações da Antiguidade por Mariano Fortuny através da Moda

Imagem de divulgação. Instagram: @antigaeconexoes.

Olá, pessoal! No presente texto, vamos explorar a moda no século XX, através dos modelos de vestimentas criados por Mariano Fortuny, trajes que tiveram uma forte inspiração na antiguidade greco-romana. Mas não iremos pensar nessa retomada de Fortuny da antiguidade como algo deslocado, aqui iremos traçar reflexões que perpassam as vestimenta, temporalidade e corporeidade de forma que possamos articular o passado antigo com o século XX também com o presente, questionando o que entendemos por “Clássico”.

As roupas, como já exploramos nos textos anteriores, não são objetos superficiais, mas podem dizer muito sobre nós, nossos contextos, culturas e aspectos sociais relativos a gênero, classe social e entre outros. Tendo isso em mente vamos retomar como as vestimentas costumavam ser no século XIX. A pesquisadora Valéria Brandini, pode nos ajudar a entender as vestimentas nesse período. Ela aponta que com ascensão da industrialização na Inglaterra o corpo humano, (principalmente dos individúos do sexo masculino), passou a ser visto como uma extensão do trabalho; juntou-se a isso a condenação da homossexualidade, fazendo com que a extravagancia nos trajes masculinos, que antes era vista como um sinal de poder de indivíduos aristocráticos, passasse a ser vista como um elemento dos trajes femininos. Mas, mesmo nesse âmbito os trajes mais simples eram vistos como um alinhamento entre quem o utilizava com a retitude moral, o copo passa a ser escondido e despersonalizado. As roupas passam a ser vistas, na esfera pública como um aspecto de demonstração de subjetividade, do “eu”, as vestimentas tornam-se signos que revelam aspectos psicológicos dos indivíduos e não mais como um marcador de tradição.

Já no final do século XIX, a roupa feminina passa da simplicidade ascètica e começa a ganhar alguns traços de extravagância como forma de distinção na esfera pública, isso devido as revistas femininas e da atuação das mulheres, que passaram a participar de forma mais intensa na vida pública. Como já havíamos exposto nos textos anteriores, no século XVII e XVIII houveram muitos interesses de recuperação do passado greco-romano nos estilos, na arte e na vida social. Emma Hart, utilizou-se de elementos da antiguidade em seus trajes, tornando o passado em algo vivo em suas performances. As mulheres do século XX não fizeram diferente, principalmente aquelas que se encontravam nas esferas da arte e da dança, elas entendiam que a performance, era uma forma de comunicação que poderia expressar a alma através do corpo.

Mariano Fortuny, nascido na Espanha em 1871, foi um designer de moda que teve uma atuação intensa nos meios culturais europeus. As vestimentas criadas por ele tiveram inspirações principalmente nas formas das esculturas gregas e nas artes bizantinas, como os mosaicos, essa junção permitiu a ele criar um novo conceito de “clássico”. As inspirações de Fortuny na história, são devidas ao pai, que foi um colecionador de arte e artefatos históricos. Mariano cresceu e moldou seu imaginário da antiguidade, nesse meio, ele acreditava que as artes antigas não precisavam estar aprisionadas no passado, mas sim podiam ser repensadas e reutilizadas no presente.

A arte esteve na vida de Fortuny em muitos meios, na fotografia, na escultura, no teatro e na moda. Ele começou a criação de roupas a partir de sua atuação no teatro, ele tinha inspiração nas luzes e nos movimentos do palco, não produzia roupas por demanda de mercado, mas sim pensando no corpo como forma de expressão. A união entre as referências de estátuas gregas (como forma de representar e dar liberdade ao corpo) mais as cores e as representações dos mosaicos bizantinos (como figurativo da alma), agradou nomes do cenário artístico como a dançarina Isadora Duncan e a atriz Eleonora Duse.

Fortuny, em meio a debates teóricos sobre o “Clássico”, entre aqueles que entendiam o passado grego como detentor de uma superioridade, e aqueles mais conciliatórios que buscavam uma memória compartilhada das artes, em diversas culturas, como gregas e bizantinas. Conseguiu romper com essa definição, criando sua própria interpretação do clássico, como algo que diz muito mais a respeito do presente do que do passado.

Referências

BIBLIOGRAFIA:

BRANDINI, Valéria. Moda, cultura de consumo e modernidade no século XIX. Signos do Consumo, v. 1, n. 1, p. 74-100, 2009.

MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2013.

SCHWARZ, Caitlin Mackenzie. Body and Soul: How Mariano Fortuny Redefined the” Classical”. 2019. Tese de Doutorado. University of California, Davis.

  • Renata Cristina S. de Oliveira