A Mitologia em Giorgio De Chirico

 “Édipo e a Esfinge”, pintura de Giorgio De Chirico.

Olá pessoal, esperamos que todos estejam bem!

O post de hoje traz o primeiro texto do eixo de Arte e Recepção. Semana passada apresentamos  Giorgio De Chirico, agora, será tratado um pouco sobre a presença da Mitologia em suas obras.

A arte é um tema difícil de se discutir, existem muitas teorias e debates que são próprios dos estudos de história da arte, mas nem por isso está longe de ser algo excludente. Todos temos algum contato com ela, mesmo não estando a par de todos os detalhes teóricos. Portanto falo do assunto do ponto de vista de uma estudante de história, que aprecia a arte, porém, não necessariamente tem um rico repertório teórico sobre o assunto. As obras de De Chirico me pareceram bem interessantes desde o primeiro momento em que tive contato, pois além de causarem impacto naqueles que as observam, também são ricas em elementos que remontam o mundo antigo. Saber que o artista foi um precursor do Surrealismo, movimento que sempre me fascinou, fez com que tivesse ainda mais curiosidade sobre suas obras. Felizmente tive a oportunidade de estudar um pouco mais sobre elas junto ao grupo de pesquisa Antiga e Conexões, e este texto é fruto de tais estudos, pretendo então tratar de como os mitos aparecem nas pinturas de De Chirico.

Para fazer isso escolhi a pintura “Édipo e a Esfinge”, onde vemos a figura de Édipo representada por um manequim sem rosto que se encontra com as mãos sobre a face vazia, com uma postura pensativa, provavelmente ponderando em busca de uma resposta ao enigma da esfinge. Além do mais, ele veste uma armadura ornamentada com os desenhos de uma cidade moderna, com prédios, mas no canto se vê em destaque um templo grego. A esfinge, por sua vez, encontra-se em cima de um bloco de concreto cinza, ela tem seu rosto desenhado, mostrando uma expressão calma como se esperasse a resposta para sua indagação. O cenário é preenchido com elementos que parecem ser colunas antigas retorcidas.

Esses elementos são recorrentes na pintura de De Chirico, as construções arquitetônicas, as figuras sem rostos, o jogo de luz e sombra dando o aspecto vazio à imagem, e os elementos que remontam à antiguidade. O autor busca com essa mescla dos elementos antigos e modernos deixar a temporalidade suspensa, diferente das vanguardas que estavam nascendo no mesmo período, tal como o Futurismo, que buscava demonstrar justamente a passagem do tempo acelerada e o movimento. De Chirico fez o contrário, inclusive, elaborou numerosas críticas a essa característica futurista. Às influências para suas obras partem da filosofia, principalmente de autores de Nietzsche e Schopenhauer. Em sua maioria, possuem um tom melancólico e formam cenários oníricos, o que influencia os surrealistas posteriormente.

O pintor viveu um período de muitas mudanças, presenciando o desenvolvimento de diversas tecnologias, a eclosão de duas guerras mundiais e junto a isso houve também as mudanças de cidade que ele teve junto a sua família. De certa forma entender o contexto em que ele se encontrava, é importante para compreender o que ele busca mostrar em suas composições.

Em suas obras podemos pensar a presença do elemento mítico, esses tratam da gênese de algo, nas metamorfose, por exemplo, Ovídio conta a história da criação do mundo até o seu tempo, explicando as origens das coisas e dos seres. A mitologia traz respostas para a condição humana. Adriana Monfardini coloca: “O mito narra um acontecimento; mas, além disso, o mito dá respostas a questões que a razão humana não pode compreender. Dessa forma, o mito tenta explicar o inexplicável.” Os mitos ecoam pela existência humana, sempre apresentando novas facetas, a própria narrativa de Édipo é um exemplo, afinal ela foi retratada diversas vezes, no cinema, na literatura e até mesmo na psicanálise.

A mitologia, nesse caso a grega e a romana, estão no ambiente que compõe o que chamamos de clássico. Italo Calvino define o clássico como “aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.” De certa forma é isso que De Chirico busca ao retomar os antigos. Ao dar as costas ao atual ele traz um novo olhar para o seu próprio tempo, causando a estranheza nos que observam suas obras, obrigando-os a refletirem sobre os objetos, os espaços, e a própria humanidade. 

BIBLIOGRAFIA CITADA

CALVINO, Ítalo. Por que ler os Clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

MONFARDINI, Adriana. O mito e a literatura. Terra Roxa e outras terras: revista de estudos literários, v. 5, p. 50-61, 2005.

  • Renata Cristina Oliveira

O RARO DO RELES: UM LATIM DE BANDIDO

Paulo Leminski - poemas - Revista Prosa Verso e Arte
Paulo Leminski. Imagem: Revista Verso, Prosa e arte. Reprodução Livre.

O post de hoje é uma dica de leitura do capitulo de autoria de Guilherme Gontijo Flores, professor do departamento de Letras Clássicas da UFPR, parte do livro: A Pau a Pedra a Fogo a Pique: Dez estudos sobre a obra de Paulo Leminski, organizada por Marcelo Sandman. Na primeira parte do texto é apresentado a relação de Leminski com o latim, e como se deu a utilização da língua em sua obra, o autor aponta que o poeta tinha pavor da poesia provinciana, e da pedância erudita ao utilizar outros idiomas, principalmente o latim, e diferindo disso Leminski traz uma contra pedância. Ele não abandona a bagagem erudita, mas a tira da torre de marfim, colocando-a em contato com o mundo, expandindo as possibilidades de diálogo, afastando então, o idioma da cultura erudita e o aproximando da contracultura. Flores enfatiza a utilização de um jogo etimológico, onde o poeta não traz a etimologia por si só, mas também através da aproximação de palavras com sonoridades parecidas, busca recuperar uma origem em comum de termos semelhantes, ou estabelecer sentidos fictícios que favoreçam o intento da poesia, possibilitando diversas camadas de leitura, e ampliando então o sentido do poema.

O tópico seguinte se trata a respeito das traduções realizadas por Leminski, de início é exposto a visão do poeta sobre o oficio de traduzir, ao analisar um trecho do poema “Ler Pelo Não”, o autor enfatiza que para o poeta o erro passa a ser uma possibilidade para a criação de algo novo, e enfoca na relação deste com o trabalho de Haroldo de Campos, para o qual a tradução não deveria somente transmitir a mensagem, mas também trazer algo próprio, a tradução seria uma criação, um diálogo entre autor e tradutor. Flores discorre, por conseguinte, sobre a tradução do Satyricon feita por Leminski, apontando que este ao traduzir a obra, buscava lhe dar uma nova vida, mostrando os complexos componentes humanos que fazem parte da cidade; ao comentar a tradução de Leminski, Flores aponta que este deixa passar algumas coisas, e que o principal seria as alterações modernas que livro sofreu. Ele caracteriza a tradução de Leminski como um Satyricon apropriado pela poética marginal, feito neste caso com bastante rigor, destacando que o poeta utiliza da mistura de termos eruditos e da linguagem popular para compor as suas traduções, e por fim salienta que a tradução de Leminski abre espaço para novas possibilidades de leitura para a obra.

No tópico final é exposto e comentado mais alguns dos trabalhos tradutórios de Leminski, como a sua releitura das Metamorfoses de Ovídio, onde o poeta entrelaça e modifica os mitos originais de maneira livre, e traz em seu texto algumas traduções excelentes de trechos do original. É evidenciado também uma tradução dispersa de Horácio, que traz o estilo tradutório utilizado no Satyricon, no qual o poeta traz uma poética contemporânea com traços do movimento concretista na maneira de organizar a composição, revitalizando então a obra de Horácio de uma maneira menos “Clássica” e sim mais coloquial, que incorpora elementos da poética de sua geração. Concluindo o texto o autor assinala que o poeta embora mantenha a solidez do trabalho filológico, este consegue fazer isso de maneira a qual o texto possa ser acessível ao leitor, e que possa adentrar na poética contracultural e tropical.

Referências
SANDAMANN, Marcelo (org.). A pau a pedra a fogo a pique: Dez estudos sobre a obra
de Paulo Leminski. Curitiba, Secretaria de estado da Cultura, 2010. p. 103 – 139.

  • Renata Cristina de Oliveira