Nós precisamos falar sobre o sexto ano

Eu não sei quando foi a última vez que você esteve em uma turma de sexto ano, ou quantos anos você tinha quando isso ocorreu. Mas eu devo admitir que eles podem ser particularmente intimidadores: não se engane pelas carinhas fofas, os sextos anos são da pesada. Em geral, a relação entre os professores recém-formados e essas criaturinhas é marcada pelos extremos: ame ou odeie (odeie é uma palavra forte. Ame ou corra para as colinas talvez fosse mais adequado). O sexto ano não é blasé: eles não são adolescentes, e farão as perguntas mais inusitadas: “qual a cor do esmalte da Cleópatra?”; “mas e se um gladiador combinasse de não brigar com o outro?”; “os deuses gregos ainda existem?”; ao mesmo tempo em que se interessam pelo que você diz eles não terão receios em apontar incoerências na sua fala.

Mas estamos em um blog sobre a Antiguidade Clássica, por que falar sobre os alunos do ensino fundamental? Bem, se você tem algum interesse em divulgar o mundo antigo ou gosta da sua pesquisa eu acho que está na hora de você se preocupar com o público pré-adolescente. Em breve esse será o único momento em que boa parte da população terá um contato institucional / escolar com o mundo clássico. Com a aprovação das reformas do BNCC (Base Nacional Curricular Comum) e do Ensino Médio, o ensino de história deixou de ser obrigatório no Ensino Médio e passará a ser uma disciplina facultativa, exclusiva aos que se interessarem em cumprir créditos relativos ao tema. Ou seja, boa parte do aprendizado sobre Grécia e Roma deixará de ocorrer da forma como compreendemos, e estará, cada vez mais, delegada aos meios de comunicação e entretenimento: vídeo games, filmes, séries e canais do youtube, por exemplo.

Excluindo a discussão sobre a necessidade de divulgação de pesquisa nos meios digitais (tema para outro texto), eu me pergunto como iremos nos adaptar a esta nova conjuntura. Alunos no sexto ano têm, em média, onze anos, e portanto ainda não desenvolveram completamente o pensamento abstrato, motivo pelo qual as aulas tendem a ser voltadas muito mais para questões práticas do mundo antigo: o que os romanos comiam, como eles se vestiam, como era o teatro grego ou a divisão de uma domus romana. Ainda que estes temas sejam relevantes e adequados para a idade, não são suficientes para que eles tenham algum domínio sobre o passado clássico. E aqui nós temos um problema: como podemos, enquanto classicistas, professores e entusiastas do mundo antigo, atuar para que esta breve passagem no ensino fundamental não seja a única aproximação com a antiguidade? Infelizmente a realidade sobre o tema não é encorajadora, e termina com uma série de questões:  como podemos, conjuntamente, construir respostas para os problemas que se colocam? Como desenvolver ferramentas de ensino que favoreçam o engajamento de longo prazo sobre o mundo antigo? Como produzir materiais didáticos que destaquem a antiguidade como um tema relevante e que despertem o interesse destes alunos? Estes são alguns dos desafios que surgem em nosso horizonte. Por vezes tão acostumados ao silêncio das bibliotecas e espaços de pesquisa talvez tenhamos que nos atentar para os ruídos provenientes do sexto ano.

  • Lorena Pantaleão