Os papéis de masculinidade entre Maximus Decimus Meridius e Spartacus

Diretor Ridley Scott revela estar trabalhando em roteiro de sequência de  'Gladiador' - Monet | Filmes
Russel Crowe como Maximus, filme Gladiador (2000). Imagem: divulgação.

O filme Gladiador (2000), de Ridley Scott, foi um sucesso de bilheteria quando lançado. Concorreu em doze categorias do Oscar 2001 e ganhou cinco estatuetas, dentre elas, a de Melhor filme, Melhor Ator para Russell Crowe, Melhores Efeitos Visuais e Melhor Figurino. 

Gladiador narra a história de um General romano, Maximus Decimus Meridius, que, por não aceitar a traição de Commodus – na trama, assassino de seu pai Marcus Aurelius -, é capturado pela guarda pretoriana. Ao conseguir fugir, descobre que sua família também foi assassinada a mando de Commodus e passa por um momento de grande sofrimento, tanto psicológico quanto físico, até que é encontrado desmaiado por um mercador de escravos. Ao passar a viver como escravo, começa a batalhar em jogos gladiadores, até que, em busca de sua vingança, chega em Roma e se depara com Commodus. Esse enredo é, na verdade, uma história criada por Hollywood. Contudo, o que buscamos pensar em nosso texto não são os fatos históricos presentes no filme, mas sim o papel de masculinidade que Maximus interpreta.  

Podemos entender Maximus como um símbolo de virilidade, afinal, ele é forte, corajoso, honrado e um grande líder. Em resumo, o ex-general acaba por incorporar em sua personagem diversas qualidades bem aceitas no projeto de masculinidade viril dos anos 2000. Além disso, Maximus pode ser considerado como um sex symbol, afinal, é interpretado por Russell Crowe, um exemplo de ideal de beleza masculina do período: alto, musculoso e branco.

O personagem principal, caracterizado como um símbolo viril e sexual, também representa em seu figurino esses elementos. Maximus não usa sandálias, afinal, essas são consideradas na sua contemporaneidade ocidental como um estilo de calçado feminino. Dessa maneira, o Gladiador batalha de botas. Ainda, sua armadura é constituída de forma que ressalta seu corpo forte e musculoso, com ombros largos devido às ombreiras, cintos de couro colados ao abdômen e couraças nos braços, criando, assim, certa sensação de poder. 

Para entendermos melhor a construção desse papel de masculinidade, podemos aqui comparar a personagem de Maximus com outro famoso gladiador do cinema hollywoodiano: Spartacus, do ano de 1960. O filme  foi trabalhado por nós três semanas atrás (para ler sobre, clique aqui), nele, o escravo que se tornou gladiador e depois realizou uma das grandes revoltas da Roma Antiga, é estrelado por Kirk Douglas, também um galã do cinema estadunidense no período.

Foto de Kirk Douglas - Spartacus : Foto Kirk Douglas - AdoroCinema
Início da luta entre Draba e Spartacus. Imagem: divulgação

Ao sabermos que Douglas seria um sex symbol, conseguimos traçar comparações entre ambos os personagens e seus papéis de masculinidade. Douglas, em oposição à Crowe, é um homem forte e atlético, mas não corpulento. Spartacus, além disso, está sempre limpo e de barba feita, mudando essa estética apenas em seus momentos de fraqueza e de derrota. Enquanto isso, Maximus sempre aparece com a barba por fazer e com o corpo repleto de marcas de batalha. 

Ademais, a roupa de Spartacus é consideravelmente mais curta que a de Maximus. O primeiro, passa boa parte do filme com uma túnica cinza ou marrom, muitas vezes acima de seu joelho, completando seu vestuário calçando sandálias. Quando lutou contra Draba, suas roupas – ou a ausência delas –  chamaram-nos a atenção. Ambos estão sem camisa, apenas com uma proteção no braço que empunha a arma, e na parte de baixo do corpo, usam o que mais se parece com uma sunga. Essa constituição é quase inimaginável para o filme Gladiador, em que até mesmo a túnica do personagem principal é na altura do joelho ou o passa. Entretanto, não por isso Spartacus deve ser considerado pouco másculo. O personagem também representa as mesmas qualidades que Maximus: forte, corajoso, honrado e um grande líder. 

Com essas breves comparações, questionamos a construção da figura do homem romano a partir desses filmes, visto que, conforme trabalhamos, esses personagens principais podem se parecer mais com o período de criação destas obras do que damos a atenção. Seguindo esse caminho, evidenciamos a existência de diferentes tipos de masculinidade ao longo dos anos e assim, somos capazes de compreender a possibilidade de diversas masculinidades, as quais podem passar longe da heteronormativa viril.

Referências:

Vídeo “Roma no Cinema”, do canal Mitologia Greco-Romana no Cinema. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-a-9c6wtbJo&t=4015s&ab_channel=MitologiaGreco-RomananoCinema

  • Barbara Fonseca

As nuances modernas do Spartacus de Stanley Kubrick

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Kirk Douglas como Spartacus. Imagem: divulgação

Spartacus, dirigido por Stanley Kubrick, escrito por Dalton Trumbo e estrelado por Kirk Douglas, continua a ser um dos filmes mais aclamados pelo público e pela crítica. Lançado em 1960, tornou-se um dos maiores sucessos do gênero épico, com seis indicações ao Oscar – das quais venceu quatro. Baseado no livro homônimo de 1951 escrito por Howard Fast, Spartacus narra a história de um escravo romano em busca por liberdade. Neste texto, não pretendo tratar da relação entre os documentos antigos que tratam da revolta de Spartacus e sua representação cinematográfica. Meu objetivo aqui é analisar alguns elementos próprios da sociedade estadunidense presentes no filme, salientando o uso do mundo romano como uma forma de legitimação de questões e narrativas do século XX.

Assim como outras obras cinematográficas, Spartacus estabelece um movimento duplo na relação passado-presente: ao mesmo tempo em que constrói uma imagem do passado romano no século I antes da era comum, também traz elementos da sociedade estadunidense do século XX. Diferentes valores são codificados para as telas do cinema e, no caso específico de Spartacus, procuram legitimar sua importância a partir da relação com o passado mítico romano.

Os filmes épicos emergem no pós-1945 como o gênero ideal para demonstrar as inovações tecnológicas do cinema, ao mesmo tempo em que, enquanto uma mídia massificada, refletem vários temas recorrentes da sociedade estadunidense. A liberdade é um destes temas: enquanto elemento basilar da própria formação enquanto nação, esta é representada, em Spartacus, na relação conflituosa entre corrupção e poder.

A luta entre Spartacus e Draba é bastante significativa neste sentido. Draba, gladiador negro e mais experiente, interpretado por Woody Strode, seria o vencedor por suas habilidades. Entretanto, há um entendimento mútuo, refletido tanto nos personagens como na construção das cenas, que os dois homens, mesmo em lados opostos, não são realmente inimigos. A partir desta constatação, Draba não mata Spartacus, mas ataca Crassus e é morto no processo. Mais do que um mártir pela liberdade (a ideia do martírio messiânico é uma temática recorrente no filme), Draba é um modelo moral, evidenciando a influência do contexto de produção do filme. Draba é, acima de tudo, uma representação do protagonismo negro na luta por direitos civis no século XX. Ainda que esta visão sobre Draba possa ser considerada positiva, é importante lembrar que o personagem negro virtuoso é um motivo comum no cinema estadunidense, e sempre está atrelado a uma ideia de ensinamento ao herói branco, o que também fica evidenciado em Spartacus.

Após a morte de Draba, Spartacus reflete sobre a própria natureza de suas ações, passando a negar a violência que o faria tornar-se tal qual seus detratores – os romanos. Spartacus incentiva a organização dos gladiadores, que formariam o pilar de uma sociedade mais justa, diferente da corrupção e da violência de Roma. A solidariedade entre os menos favorecidos representada em Spartacus funciona como uma alegoria ao ideal comum de busca pela liberdade, virtude fundacional dos EUA.

Nesse sentido, a adaptação de Kubrick codifica uma visão de um sonho de liberdade americano. Spartacus, representado pelo ícone de masculinidade e selfmade man Kirk Douglas, passa por uma jornada espiritual para alcançar a liberdade diante do sacrifício, e esta liberdade é conquistada pela comoção e pela solidariedade entre os pares. Mesmo tratando de temas caros à sociedade (como a luta por direitos civis), e pendendo para uma interpretação menos conformista e mais revolucionária (Howard Fast e Dalton Trumbo foram incluídos em lista de envolvidos com o Partido Comunista), Spartacus é acima de tudo uma narrativa sobre a importância da liberdade como ideal civilizatório.

Referências:

WINKLER, Martin W (ed.). Spartacus: Film and History. Oxford: Blackwell Publishing, 2007.

  • Ingrid Frandji